29.3.15

HERBERTO HELDER - RETRATO EM MOVIMENTO

Morreu esta semana um dos maiores poetas contemporâneos de língua portuguesa. Morreu como viveu, recusando homenagens e tributos. Agora, depois de morto, vai ser divulgado e em breve estará ao lado de Pessoa, nesse mundo imortal da poesia intemporal. Descobri cá por casa esse precioso livrinho editado em 1967. Uma peça de colecção absoluta. Deixo-vos o texto introdutório. Não tenham preguiça de ler. Nem tudo é instantâneo:
Quando se caminha para a frente ou para trás, ao longo dos dicionários, vai-se desembocar na palavre Terror. É um sítio fechado, eriçado, anfractuoso - extremamente difícil para os pés e mãos. O vocábulo. O vocábulo, entretanto, é apenas uma compressão violenta, síntese à entrada de um texto que se multiplica por dentro, sem crescer, cruzado insensatamente por túneis, corredores e caminhos de pronúncia áspera. Está sobrecarregado de máquinas inteligentes - relegadas, por intencional inclinação de sentido, para uma malícia próxima dos ramos de cores, dos animais sumptuosos e das estrelas que não andam. Os motores fervem. Não há riquezas: petróleo, trigo, topázios. É difícil viver aqui, respirar, mexer os dedos ao pé da respiração, olhar junto ao movimento do corpo, ter uma corpo no meio da sombra, um nome com a sua luz própria na dilatação obscura dos nomes. Contudo é preciso viver, tem de se andar para trás ou para a frente, porque há o fermento no corpo, o sangue, a irradiação dita pernas e braços, é-se bípede, quadrúpede, miriápode - vem-se dar sempre a este sítio que devorou a rosa cardeal.

1 comment:

Silvares said...

Porque admiramos mais o que de nós se esconde do que aquilo que se nos oferece? Porque nos atrai mais a sombra sombra do que a luz que a projecta? Porque admiramos nós Herberto, o Hélder?