Quando, depois
de tantos anos, penso no Liceu, a memória é atraiçoada pelas sensações. São
cheiros inolvidáveis. O toque irritante da campainha. O ranger do estrado
quando o professor de inglês, apelidado de “padeiro”, passava na sua sólida
rotundidade. O Sol que entrava pela janela. O chefe de turma que distribuía
estaladas sem qualquer razão aparente e arrotava com cheiro pestilente a alho
recozido. O estúpido colega da frente que não deixava copiar. O arranhar do giz
no quadro preto. As permanentes faltas de material. Aquele exame de latim que
nunca mais acabava. As férias grandes que teimavam em chegar.
O Liceu de
Oeiras sempre foi um liceu com grande liberdade. Talvez o facto de estarmos na
Linha de Cascais. De o sol brilhar. Do mar estar logo ali. Talvez tudo isso
tenha influenciado. A verdade é que as fugas para o Motel e, mais tarde, para o
Pérgula, as idas à praia, os intervalos clandestinos passados a fumar cigarros
nas traseiras do ginásio, os namoricos platónicos por entre as acácias em flor
e a exploração das grutas dos terrenos militares contíguos, tudo isso era tão
ou mais importante do que a aprendizagem oficial.
Os colegas nem
todos eram bons rapazes. Nem de todos ficámos amigos. Alguns desapareceram
completamente da nossa memória. Outros mantiveram-se anualmente nas celebrações
natalícias que insistimos em fazer. Outros, ainda, ficaram amigos para a vida.
Os anos de
liceu são anos de profunda transformação. Entramos envergonhados de calções.
Saímos homens de barba rija. São anos de integração social. De iniciação
política. De formação moral. A nossa personalidade molda-se para sempre. Viajar
pelos tempos de escola é revisitar a nossa autenticidade. Somos o que éramos.
Jamais deixaremos de o ser.
PS: na foto, o Liceu Nacional de Oeiras em 1952 (ano da inauguração)
8 comments:
Tão excelente é o seu texto que nem me atrevo a rememorar os meus tempos no D.Manuel II !
PARABÉNS, JORGE !
Tão excelente são sempre tuas escritas!
Obrigada por compartilhar, voltei também comigo mesma. Essa é a excelência de uma narrativa; quando consegue nos transportar para algum lugar, mesmo que esse lugar esteja tão perto ou tão escondido.
Pena que acabou.
Obrigado aos leitores. Pode ser que haja segunda temporada. Para já fica por aqui.
Então, tenho a esperança de ver a continuação do seu EU, COMIGO PRÓPRIO !
Jorge, tenho pensado muito na Myra, ela iria amar tua história.
Hoje estive a reler a tua biografia dela... Que trabalho mais lindo, mais carinhoso; que obra de literatura e arte.
Uma grande pena a Myra estar calada para nós, triste por ela não ter mais acesso a internet.
Mas porque não tem acesso?!
Porque também não sei.
Adorei esta compilação de memórias de um Portugal que desconhecia tendo como protagonista um jovem...tu...hoje já avô:))))
Obrigado por tão bela biografia.
Beijos
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