29.11.08

EPHEDRA - O CONCERTO

Temi o pior. Ontem à noite a chuva não era progressiva. Era constante. Uma chuva impiedosa que fustigava tempestuosa no vento ciclónico que o Atlântico reservou para a reaparição heróica dos desejados "Ephedra". A sala encheu, entusiástica, talvez porque esta música já não se fabrica... talvez por amizade... talvez porque a malta é progressiva! Tanta gente que não via há anos. Gente que a nossa música continua a unir. Também veio gente nova. Gente de outras músicas. Gente que nos ouviu na infância e que hoje se revê naquela harmonia densa, nos compassos tensos, na melódia exótica. Uma música que primeiro se estranha e depois se entranha, no dizer do poeta Fernando Pessoa que, não tendo podido comparecer, mandou cumprimentos. Um dictatum de última hora do Paulo, o esteta do grupo, forçou-nos a assumir uma imagem post-moderna. Fomos obrigados a ir todos de preto. Como ninguém estava prevenido, acabámos num cinzento desbotado, com pinta de cigano. Em contrapartida, ninguém aceitou a minha sugestão de tocarmos acamados e devidamente algaliados. O que se seguirá? Não sabemos ainda. Agora temos, finalmente, um disco. Podemos partir para novos voos. Talvez uma tournée internacional com passagem obrigatória pelo Brasil. Sonhar ainda não custa dinheiro. Agradeço a todos os que neste blogue me apoiaram. A crónica "Filhos do Povo do Sul", ainda em publicação, abre uma nova etapa: o futuro aconteceu!
No site da banda http://www.ephedraband.com/ estão já disponíveis excertos das músicas que integram o CD (clicar em "músicas"). Quem estiver interessado na aquisição (em Portugal ou no estrangeiro) pode encomendar para o meu mail expressodalinha@gmail.com deixando a respectiva morada. O preço é 10€, mais portes postais. Garanto experiências novas.
Fotografia de Isabel Machado.
jp

28.11.08

FILHOS DO POVO DO SUL - LXII


Em finais de 74, no Largo da Estação de Paço D’Arcos, num prédio modernaço, recém construído, nasceu um dos primeiros “shoppings” da linha, o “Centro Comercial Aries”. Quem vê hoje a decadência daquele espaço, não imagina os corredores cheios de famílias em romagem nocturna ou de fim-de-semana como se fora o “Colombo”.
Um amigo, o J.R., rapaz de iniciativa e muita inconsciência, resolveu ficar com a exploração de todo o “shopping” e desatou a chagar os amigos para lhe arrendar lojas.
Eu caí na asneira de ficar com a loja nº13 dedicada a artesanato. Mais propriamente “artesanato – venda de peças e outras regionais”, como oficialmente se designava a actividade no impresso da contribuição industrial que, de imediato, comecei a liquidar.
Passei também a ter a ter cartão de comerciante e uma auspiciosa carreira de empresário por conta própria que, no ano seguinte, se estendeu aos “comes e bebes”.
A “Loja de Artesanato” tinha um projecto inovador para a época: uma linha de mobílias “hippy”, simples e baratas, dirigida a jovens em princípio de vida. Ia-se ao Minho buscar maceiras, louceiros, arcas, bancos, cadeiras e mesas de cozinha, tudo em pinho verde para mais tarde empenar. Depois faziam-se ligeiras transformações psicadélicas… e já está!
Do Minho vinham também canecas vidradas de cores garridas; canjirões para vinho; jarras “mamudas” e peças de barro extralúcidas do Mistério e da Rosa Cota, que ainda cheguei a conhecer. Do Algarve vinham cestos e esteiras de empreita, comprados nos armazéns de Loulé. Também havia peças de amigos à comissão… Enfim, nada que não exista hoje em pelo menos 3.500 lojas e barracas espalhadas pelo pais fora. Agora em 75, em Paço D’Arcos… era inovação!
O Centro Comercial dispunha de lojas variadas. Cá em cima, uma elegante loja de peixes decorativos. Lá em baixo, dois bares: um mais nocturno, chamado “Zodíaco”, explorado directamente pela gerência e que normalmente estava às moscas e, na outra ponta, um café-bar desbundado colectivamente pela maralha de Paço D’Arcos e Caxias, alcunhado de “Bar do Pio”. Tinha máquinas de jogo tipo “flippers”, barulheira e, acima de tudo, o “Salta-me a Cuca”, um “shot” inventado num momento de rara lucidez e que consistia em misturar tudo o que havia disponível na garrafeira, duas pedras de gelo e… salta-me a cuca!
Entre os dois bares um sinuoso corredor com uma profusão de lojas prontas a servir o cliente mais afoito: retrosaria; perfumaria; pronto-a-vestir; artesanato e loja de fotografias.
A “Foto Aries” era mesmo em frente do “Artesanato”. Logo a seguir o café-bar. Era a zona “freak” do Centro.
A “Foto Aries” era explorada pelo Roberto, pelo Zé Maria e pelo Zé Octávio. Vendiam rolos; revelavam; aumentavam… o costume. A câmara escura era o local mais apetecível de todo o Centro: enrolava-se; charrava-se; apalpava-se… até servia de gabinete de provas para as miúdas que na altura estavam numa de confeccionar a própria roupa.
Neste súbito afã empresarial, juntei-me a uns amigos para explorar um bar/restaurante. Foi uma das piores iniciativas que tive em toda a minha vida. A coisa passou-se ali em Caxias, terra morta, de difícil acesso, ao lado da fedorenta ribeira de Laveiras. Acresce que ninguém tinha qualquer experiência de restauração.
A casa tinha um só piso em L, com logradouro vasto, pequeno parque para crianças com baloiços e escorrega, pintada em cal branca e janelas enquadradas a azul, tipo alentejano.
Tomámos aquilo de exploração e procedemos a remodelação total para a qual convocámos todos os amigos, a troco de cerveja gratuita.
Eu fiquei com o restaurante. Chamava-se “Cozinha da Cartuxa”. Os sócios eram o Zé Tó, que oferecia a grande vantagem do pai ter uns talhos e a enorme desvantagem de beber que nem uma esponja; o Jó, que só tinha desvantagens e o João e a Raquel, que se encarregaram da cozinha, coisa que nos pareceu o mínimo indispensável para abrir um restaurante.
O bar ficou para o Xico Zé e o Zé Carlos (primeiro baterista do “Ephedra”, há muito retirado das lides).
O modelo de negócio era simples. À noite os clientes empanturravam-se primeiro no restaurante e seguiam ao bar onde passariam a noite a beber cervejolas, whiskies de malte e tostas mistas, até cair para o lado. Às vezes até havia música ao vivo. Ao almoço seria mais para negócios. Aos fins de semana famílias inteiras de caxienses acorreriam, depois da missa, deixando os petizes entretidos no parque infantil, enquanto aumentavam o colestrol nas mesas comunitárias do refeitório.
O restaurante foi a primeira “tasca moderna” da região de Lisboa e Vale do Tejo. Paredes brancas, mesas pretas com tampo de mármore e bancos corridos igualmente em preto. Chão de tijoleira. Por cima de cada mesa candeeiros psicadélicos pintados pelo Paulo, contrastando no branco e preto da sala. O serviço era muito informal… mesmo muito informal!
As especialidades da casa eram o “bifinho à Cartuxa” (um vulgar bitoque com molho de natas), açorda de gambas (infelizmente ainda sem o delicioso “tabopan” de marisco), a feijoada à transmontana (com couve galega, como mandam as regras) e os pudins cabo verdianos da "titi", mãe do Roberto. Tudo regado a vinho de jarro sacado directamente da pipa.
Como sempre, e por exclusão de partes, acabei empurrado para tarefas logísticas. Duas vezes por semana pelas sete da manhã ia à Ribeira ou ao Mercado Abastecedor (ali ao Campo Grande) e escolhia peixe fresco, frutas e legumes, sacas de batatas e cebolas. Uma vez por mês ia a Nelas buscar vinho regional e ao Alentejo buscar queijinhos de cabra e de ovelha.
Tinha comprado uma velha carrinha Morris em 5ª mão daquelas que andam permanentemente engasgadas e pegam de empurrão, poluindo a estratosfera de puro gasóleo e com uma incorrigível tendência para fugir para a esquerda. Percorri o pais no abastecimento para o restaurante; na aquisição de artesanato para a loja; no transporte do material ephedriano. Por isso não se admirem se ainda hoje souber escolher um goraz ou se conhecer uma recôndita estrada secundária atrás das moitas.
No restaurante o serviço era um primor post-moderno. O Jó encarava placidamente os clientes com a cinza pendente no cigarro pendurado, enquanto tirava os pedidos coçando crostas na cabeça com a tampa da caneta “Bic”. O Zé Tó esgotava, com denodada preserverança, a reserva de conhaque “Rémy Martin” e atirava com garfos para cima de ovos estrelados, rebentando a gema à vista dos comensais estupefactos. Os bifes, na ânsia de ser comidos, saltavam para o chão como se tivessem molas. De tempos a tempos, uma beata de cigarro despontava irreverente no meio da feijoada. Lá dentro, na cozinha, os cães do João e da Raquel passeavam impunes, soltando livremente pulgas e carraças no chão peganhoso de desperdícios oleosos. Eu servia copos de três atrás do balcão tentando passar despercebido, preocupado com as precárias entradas de caixa.
Um dia saiu uma crítica favorável no “Expresso”. Foi um desastre. No fim de semana seguinte a invasão foi tal que rompeu os abastecimentos. Os clientes esperaram horas enquanto corríamos a casa dos pais tentando encontrar desesperadamente meia dúzia de ovos, um reforço de fruta, restos de entrecosto… O serviço às mesas tornou-se de abandalhado em inexistente. Todos nos refugiávamos na cozinha recusando enfrentar as reclamações da clientela que debandou enraivecida sem pagar a conta.
E a paz voltou. Essa paz que nos permitia jantar sossegadamente com os amigos, devastando a garrafeira sem risco de ser incomodados por um intrépido cliente exigindo ser atendido!
Obviamente as dúvidas sobre a viabilidade do negócio cresciam, mas ninguém sabia avaliar a situação. A bem dizer ninguém sabia fazer contas. Era a chamada gestão permanentemente corrente. Ou seria decorrente?
jp

26.11.08

É JÁ NA SEXTA!

FILHOS DO POVO DO SUL - LXI

Muitos de nós estavam naquilo há cinco, seis anos. Quando começámos tínhamos 17 ou 18. Andávamos ainda no liceu. Procurávamos um sonho. Uma vida diferente da dos nossos pais… Uma utopia!
Agora, em 1975, a maioria tinha já 22 ou 23 anos. Alguns, tropa feita. Outros, faculdades a acabar. Muitos de nós casados. A utopia cada vez mais longe!
De 70 a 75 muita coisa tinha mudado: o mundo; o país; as nossas vidas; as nossas expectativas…
Os nossos pais continuavam a sustentar-nos mesmo casados e tudo. Mas por quanto tempo mais? Estávamos a adiar, sempre a adiar. O “Ephedra” serviu de pretexto. Nunca conseguiríamos ter êxito? Não tínhamos talento? Haveria mercado para nós? Deixar a música era deixar o sonho. Deixar o sonho era passarmos a ser adultos!
À nossa volta tudo tinha mudado. O “progressivo” desaparecia rapidamente. Um movimento efémero. Hoje, existe apenas para "entendidos" e coleccionadores.
Em 75 o mundo queria voltar a dançar. Queria “disco sound”, queria “funk”. Em Portugal, era mais baladas revolucionárias e o começo de grupos “folk” de segunda geração, como a “Banda do Casaco” ou os “Trovante”.
Em 75 tentávamos ainda adiar o inevitável. Mas as decisões aproximavam-se inexoravelmente!
jp

25.11.08

FILHOS DO POVO DO SUL - XL

Um dia, por maior que fosse a nossa imaginação, faltou o sítio para ensaiar. Acabaram-se as garagens. Os pais deixaram de contemporizar. Os vizinhos deixaram de compreender. Já ninguém nos aturava. O som nem sempre é música. A música é sempre ruído!
Na dificuldade da indefinição, como acontece na maioria das crises, acabamos ganhando o céu.
Os Sequeiras tinham uma quinta em pleno Santo Amaro praticamente desabitada. Apenas por lá andava um “retornado” mal encarado com a vaga missão de tomar conta da casa apalaçada. Só que o palácio tinha cave, dois andares e sótão. Talvez uns 2000 metros quadrados de construção. As ocupações selvagens post-abrilistas eram uma ameaça real… Nós, apenas ruído e agitação permanente!
Deram-nos acesso de borla só para afugentar o fantasma da ocupação e até nos pediram para fazer muito barulho. Melhor era impossível!!!
À volta estendia-se um vasto terreno, hoje urbanizado na aristocrática “Vila Beckman”. O palácio foi depois Tribunal e é agora sede de várias PME’s. Ah, se aquelas paredes cantassem quem lá trabalha hoje não teria um momento de descanso!
Ficámos na cave com entrada própria. Uma porta castanha desbotada por debaixo de um alpendre forrado em glícinias. Desciam-se três degraus de cimento tosco que davam para um salão enorme. Duzentos metros quadrados ou mais! Levámos o nosso painel labiríntico do “1ºActo” que preencheu uma das paredes laterais potenciando a profundidade do nosso sonho.
A sala tinha uma parte mais larga logo à entrada. Pedimos estrados emprestados ao “Coro de Stº Amaro de Oeiras” e montámos um pequeno auditório com 50 ou 60 lugares. Passámos a poder ensaiar e dar concertos no mesmo local. Os “groupies” passaram a pagar bilhete. O sonho de qualquer banda… O círculo fechou-se!
O jardim servia de creche ao filho do Rodrigo passeado com desvelo pela Helena que namorava o Paulo. A Helena deve ter sido a mulher que mais sofreu com o “Ephedra”. Não tocava, não cantava e tenho impressão que nem gostava muito da música. Ela gostava era do Paulo. Começou a namorar aos 16 anos e casou aos 20. Sempre entre ensaios; marcada por compassos de espera; atazanada por decibéis desvairados; entalada entre aparelhagem nas deslocações para concertos distantesNem depois de casar o “karma” mudou. Nós, é que mudámos o ensaio para casa dela!
Fotografia da casa onde passámos a ensaiar.
jp

ANTOLOGIA ROBERTO BARBOSA


Copyright Roberto Barbosa.
O Roberto nasceu em Cabo Verde, na ilha do Fogo. Um vulcão activo no meio do Atlântico.

23.11.08

A TURMA DE 68

Num ambiente requintado de um dos melhores hóteis de Lisboa, a turma de 68 da Faculdade de Direito de Lisboa comemorou 40 anos. Mais de 50 eminentes advogados, juízes conselheiros quase jubilados, empresários de renome e este inútil blogueiro, encontraram-se à volta de um "Tentúgal de salmão fumado com Queijo Serra e pistachios verdes em redução "Santa Vitória", seguida de "Lombinho de cerdo em gallete de batata à padeira com espinafres salteados em manteiga de avelã sobre xarope de amoras com hortelã". Os homens interpelam-se sobre a progressão tridimencional das barrigas ou a exposição excessiva da careca. As senhoras, por definição, estão sempre bem. Matam-se saudades e também se mata o Bastonário da Ordem que está longe de reunir consensos. Os escândalos do BPN são abordados muito pela rama que a procissão ainda vai no adro e aquela gente vai precisar de advogados! Nem todos se lembravam de mim. Outros lembravam-se bem demais e fizeram questão em me envergonhar com a descrição daquela vez em que, estremunhado, fui de pijama para a faculdade. Naquele tempo fazíamos manifs contra o regime, perseguidos pelos cães da polícia de choque. A Faculdade de Letras ali ao lado era uma tentação irresistível, com as pequenas de germânicas desejosas de aperfeiçoar a língua. A maior parte das aulas era lá em baixo junto aos matraquilhos, entremeados com umas cervejitas matinais. As sebentas compravam-se em Abril e marrava-se a matéria em três meses de clausura colectiva até às 6 da manhã. Vivíamos em contraciclo total. Ainda hoje sofro de insónias! A partir do 3ºano deixou de haver faltas e eu deixei de ir à faculdade que ainda não havia autoestrada. Lisboa ficava muito longe. Uma canseira que se dispensava. Dos exames é que não se dispensava... Quarenta anos depois, gordos, carecas, enrugados (os homens, claro, que as senhoras estão sempre bem) falamos dos netos e da falta de pachorra para aturar os tribunais e a profusão de leis que nos inunda o dia a dia. Já não temos ilusões. A reforma é o caminho e não é das instituições... é a nossa! Uma palavra de agradecimento à comissão organizadora, coordenada pelo P. Salgado, com a sugestão de repetição anual destes convívios. Mais 40 anos ninguèm aguenta!
jp

FILHOS DO POVO DO SUL - XXXIX

Mas o “1º Acto” não servia só para “grandes produções”. Também servia para coisas verdadeiramente experimentais. Um dia o Sebastião veio ter connosco a propor o concerto do ano!
A filosofia era simples e de grande alcance mediático. Um amigo dele estava a chegar da Holanda carregado de ácidos variados: “Window Pain”; “Pink Floyd”; “Vulcões”. Reúnem-se dez músicos em ambiente fechado. Espeta-se-lhes com o dito LSD nos cornos e vai de tocar. Condição essencial: ninguém sabe o que vai tocar e não há qualquer combinação prévia. Finalmente faz-se imensa publicidade nos jornais da especialidade e dão-se imensas entrevistas extralúcidas de forma a lá estar a crítica toda.
A filosofia era esta. O resultado foi: a crítica compareceu em massa, tentando entrevistar músicos à beira do flipanço; os ácidos, na euforia da toma, entornaram-se pelo chão, obrigando músicos e espectadores a andar de cócoras à procura das pastilhas; o Sebastião, debaixo de toda aquela pressão, deixou de cobrar entradas e desatou a dar sandes de borla balbuciando frases post-modernas. O público achou que era tudo truque de marketing. Alguns músicos, por manifesta falta de “iluminação”, baldaram-se logo no arranque. Outros foram saindo do palco durante o “happenning” à medida que alucinavam e eram evacuados por um piquete anti-lissérgico. Outros, porém, continuaram a tocar mesmo para além do fim do espectáculo que, por definição, ninguém sabia quando era.
As críticas foram, obviamente, excelentes. Toda a gente julgou que tudo fora meticulosamente encenado e ensaiado. Alguém gravou num gravador de fita. Não sei quem foi... Se esse alguém ler isto que se acuse, por favor.
Quando o pesadelo parecia ter acabado, já a caminho da estação de Algés, alguém com o ácido mais exaltado, lembrou-se que a aparelhagem ficara sozinha à solta dentro do “1ºActo” à disposição de qualquer meliante. Paranóia instalada! Todos para trás. Galgámos o portão de ferro com dois metros de altura que, no entanto, permitia entrada por uma estreita abertura superior, prova provada que se nós entrámos outros também o poderiam fazer. A paranóia encontrou imediatamente justificação e decidimos acampar dentro do recinto até alvorecer.
Estávamos nisto quando chega um membro da direcção do clube, furioso, alegando invasão, intromissão, assalto, etc, etc. Discussão difícil, baseada nos seguintes argumentos tridimensionais e a cores: se nós podemos entrar, outros também; se outros podem entrar, então nós não saímos!
Perante esta lógica inabalável acabámos corridos a pontapé com ameaças de recurso à polícia, o que nos colocou logo noutro nível de paranóia. Aliás, com LSD não se pode estar muito tempo na mesma paranóia. O truque é ir variando!
Saímos satisfeitos com o compromisso conseguido que já ninguém sabia qual era e fomos direitos ao comboio tentando afugentar todos os nossos fantasmas sem sossego!
jp

TODAY'S FLOWER

21.11.08

FILHOS DO POVO DO SUL - XXXVIII

Foi naquele remoto ano de 1974 quando todos andavam, pá, entretidos a preparar o “Verão Quente”, pá, que a gente resolveu tentar, pá, elevar o nível da revolução.
Concebemos um espectáculo arrojado que dava pela singela designação de “Meu Nome É Andros”. Era uma performance multimédia, avançadíssima para a época. Um espectáculo-encenado: música, teatro, pintura, poesia, leitura, diaporama...
A cena era recriada no nosso ambiente quotidiano, o nosso “clube nocturno”. A sala do Rodrigo foi literalmente transportada para o palco com mesa de camilha e tudo, onde se sentavam músicos, figurantes e amigos que subiam ocasionalmente ao palco para enrolar uma.
Atrás, “o labinto de labirintos dentro do apartamento”. Um cenário gigantesco, a toda a largura do palco, com colunas e abóbadas a perder de perspectiva; templos góticos em decadência acelerada; escadas infinitas e corredores sinuosos; monstros reptilóides e aves sinistras pendentes num céu roxo de fogo. No meio de todo aquele barroco, a cara renascentista de um Beethoven psicadélico a vigiar tudo e todos na sua surdez iluminada.
O espectáculo começava com a voz barítono do Luís Manuel, expressamente convidado para o efeito, que introduzia o texto “Meu Nome É Andros”, enquanto o Roberto passava uma diaporama à base de slides enigmáticos com feixes cruzados colorindo o palco escuro e vazio.
O texto era desmotivador para qualquer um remetendo-nos à nossa pequenez no universo e acabava com uma enorme interrogação: “... Às vezes pergunto-me: Para quê, para onde? Não haverá um atalho?”
Depois acendiam-se as luzes de cena e entravam os músicos tropeçando nos degraus que desciam para o palco batendo deliberadamente com a cabeça nas colunas de som com ar de zombies. Os figurantes acendiam-se na mesa de camilha conversando como se estivessem em casa, tricotando malha, baralhando cartas ou enrolando mortalhas.
Os músicos eram imensos. Para além do núcleo base, havia convidados especiais e estreias absolutas. Ao todo uma dúzia. Quem não estava a tocar, sentava-se na mesa e ia fazendo fingir qualquer coisa. Depois trocávamos e assim sucessivamente.
Foi a primeira vez que cantámos para grande choque do público mais aficcionado. Era tempo de sermos post-rock-progressivos, ligeiramente neo-regressivos, um pouco auto-depressivos.
Foi dia de estreia para o Rodrigo, na flauta e voz; para a Isabel, na voz; para o Toni, na bateria e para o Marcial, no violão.
A Isabel seria a minha segunda mulher, mas eu ainda não sabia. O Rodrigo suava de flauta de bisel em riste, com nervos à flor da pele. O Toni, numa sucessão de “taffs”, tentava segurar desesperadamente o tempo que já ninguém sabia onde estava. O Marcial balbuciava uma hesitante vocalização na precaridade do flipanço: “Senhor não vai acreditar não, que eu aqui sento no chão não, que eu aqui tenho patrão não...”, nunca se percebendo se estava a favor do Senhor, do patrão ou do chão. A única certeza era “não”. O Paulo, carregado de optimismo, recomendava ao estimável público: “Apoia-te em mim amigo, agarra na corda bamba...”. O Xico Zé anunciava premonitoriamente “Lá vêm os Árabes”. O velho “Rapaz Extralúcido”, a três guitarras e duas flautas, foi tocado a uma velocidade que nos ultrapassava. O “Palhaço” era um verdadeiro manifesto. Uma raposódia semi-dita , semi-cantada, que acabava numa melopeia infantil repetitiva em aceleração explosiva. Tudo “um pé de cá, um pé de lá, um pé no meio do ar”.
Finalmente o momento alto! Silêncio total... Vestido a rigor, no seu traje árabe, entra o António Baraona, então casado com a Eunice Muñoz e convertido à religião do Profeta. Despeja, monocordicamente, em cima do público aparvalhado, quinze minutos de eloquente poesia retirada do seu último trabalho, “O Progresso de Jesus”, acompanhado a marimbas africanas que eu tocava no chão em posição de lotus, pelo Rodrigo e pelo Paulo, em pé, ambos na flauta. Quando o “mestre” disse por fim: “Não é a alma que está no corpo, o corpo é que está na alma”, a malta acordou em aplausos devastadores e o concerto acabou em extâse xamânico.
O êxito foi tal que fomos de imediato abordados para uma sessão privada no atelier de mestre Lagoa Henriques ali num daqueles barracões que dão para a Estrada Marginal, onde é hoje a Universidade Moderna.
Pé direito enorme… “Mezzanine” lá no alto… Tudo em cimento cru… Apolos esculpidos nos cantos recônditos… Mistura de “beatiful people” com estivadores… Camas com muita gente a descansar ao mesmo tempo…
Ninguém nos ouvia. Éramos apenas ambiente, decoração. Senti-me uma espécie de “Velvet Underground”, numa “Factory” provinciana, olhados diletantemente por “Andy Wharol’s” de trazer por casa. Deve ter sido o nosso melhor concerto… só que ninguém reparou!
A foto é parte do cenário utilizado no concerto.
jp

ANTOLOGIA ROBERTO BARBOSA


Copyright Roberto Barbosa

20.11.08

FILHOS DO POVO DO SUL - XXXVII

O “1º Acto” (agora Auditório Amélia Rey Colaço) sempre fora o nosso clube de eleição. Sala pequena, em Algés, aberta ao experimentalismo. Esgotava lotação com cinquenta ou sessenta pessoas o que dava logo a sensação triunfal de casa cheia. Às vezes havia trinta pessoas de pé, transformando a actuação num êxito de bilheteira e o nosso ego num grande super-star.
A sala era muito tosca, minimalista, muito “avant-garde”. Uma cave que podia perfeitamente ter sido armazém de peixe congelado ou loja paquistanesa de electrodomésticos em contrabando. Seis ou sete filas de bancadas em cimento puro e duro... Palco a toda a largura da sala... “Foyer” com menos de vinte metros quadrados... Um pequeno bar permanentemente inacessível... Casas de banho manhosas com cheiro duradouro a erva e mijo residual.
Era tudo tão íntimo que o público suava em conjunto; engolia o fumo do cigarro vizinho; coçava a perna alheia; batia palmas com a mão do lado... mas era feliz!
Vista do palco, logo ali a dois metros, aquela massa informe e mal acondicionada, fazia-me agradecer a benção de estar em cena, com todo o espaço do mundo, dando-me imenso ânimo para tocar! Talvez por tudo isto os concertos no “1º Acto” sempre foram muito estimulantes para público e músicos.
Os concertos eram organizados directamente por nós. Alugávamos o espaço e tratávamos de tudo. Tínhamos, inclusivamente, de apresentar um requerimento dirigido, mui respeitosamente, ao Exmo. Director dos Serviços de Espectáculos pedindo autorização para a realização de “Espectáculos Acidentais” (sempre achei o nome particularmente adequado ao nosso caso). No requerimento “... fulano, residente algures, desejando realizar... (bailes, variedades, espectáculos teatrais, etc), num salão sito alhures, vem requerer a V. Exa., nos termos do artº 35, do Decreto 42.661, autorização para realização do referido espectáculo no(s) dia(s)...”.
O requerente devia ainda informar, entre outras coisas, o fim a que se destinava a receita líquida que fosse obtida (precaução essencial, diga-se de passagem, não fosse a malta pegar na massa toda e desatar a comprar LSD).
No final pedíamos deferimento e juntávamos um selo fiscal de 10 paus. Ah, tinha ainda uma nota final algo indecifrável: “ Quando o espectáculo se prolongue além das 12h e 30m (?!) deve ser solicitada a autorização do artº55 do mesmo Decreto”. Quem tiver o Decreto que me ajude. Esta nunca percebi: os espectáculos tinham de acabar ao meio-dia e meia do próprio dia, portanto antes de começarem ou podiam já vir do dia anterior, numa interminável sucessão de “encores”?!
Fotografia de José Maria Tavares Rosa
jp

FILHOS DO POVO DO SUL - XXXVI

O Exmo. Requerimento.

19.11.08

EPHEDRA - O CONCERTO

É já no dia 28 de Novembro (6ª feira), às 22 horas, que se irá realizar o concerto de lançamento do disco "Ephedra", no Auditório do Teatro Independente de Oeiras (T.I.O.). Dez temas para arrasar, ao bom estilo rock-progressivo, é o que temos para oferecer. Um disco esperado há mais de 30 anos. Uma música que já não se fabrica! Para mais detalhes e para a localização do Auditório, ver http://www.ephedraband.com/

EPHEDRA - O DISCO

Um disco é uma obra de arte da maior complexidade. Nele se junta a criatividade na composição, com o talento no arranjo e o virtuosismo da execução. Depois vem o design da capa, a sofisticação da tecnologia de gravação, o “know-how” e o bom gosto do produtor. Um disco é uma obra colectiva por excelência. A vulgarização do produto e a sua acessibilidade em termos de mercado, não lhe pode tirar valor. Cada disco é diferente. Cada disco é uma peça valiosa. Uma jóia rara!
Um dia o músico agarra numa guitarra e, ao acaso, começa a tirar acordes à toa. Logo vai surgindo uma melodia que se assobia hesitante. Uma melodia tímida que se insinua e vai ganhando forma. Agora é já a melodia a desafiar novos acordes. Puxando uma diminuta agora, obrigando a uma aumentada depois. Exigindo um tempo forte aqui, uma modulação ali. O compasso vai ficando apurado. Vem uma pausa para ressaltar uma tenção. Sobe o tom. Deixa cair o sustenido. Ressalta o bemol. De repente a música ganha vida própria. Somos meros intérpretes, espectadores da nossa criação. Um dia levam-se as pautas para o ensaio. A banda aguarda. A música é apresentada. Surgem novas contribuições. Alterações. Novas entradas. Contrapontos. O ritmo dá-lhe nova expressão. Surge uma dinâmica. A música encontra o seu caminho. Já ninguém a pode parar. Reescreve-se a pauta em hieróglifos cheios de semifusas. Ensaia-se à exaustão. Repetições infindáveis. Solos. Recomeços. Da capo a fine. Só a coda… Por fim está pronta. Dez músicas assim e podemos ir para estúdio. Aí entram os prodígios da tecnologia. A captação do som. O software de correcção. A mistura e a masterização. Tocamos sozinhos, isolados em paredes anecóicas que nos separam do mundo. Desafinamos. Repetimos. Agora foi o tempo que falhou. Depois o modo. O dia passa e ainda faltam 7 temas. A música é muito mais transpiração do que inspiração. Dois meses mais tarde saberemos o resultado final. Som, notas, efeitos, compassos, ritmos, solos, tudo se junta e, num passe de mágica, surge a gravação. Temos o almejado “master”. Daqui se farão as cópias. Em paralelo, mentes inventivas e criadoras esboçam, em conceitos arrojados, novos designs para a capa. A embalagem é essencial num disco físico. Ela identifica o objecto. Codifica o conteúdo. Integra a mensagem. Hoje em dia, para quem ainda compra discos, estes aspectos valem 50%. Os outros 50% serão a música.
Aqui acaba a criação. Outros “artistas” entram, então, em campo. O marketing, a promoção, a distribuição. O domínio desses circuitos é essencial para tirar uma obra do anonimato. Entram os advogados, os direitos de autor, as percentagens de distribuição, as comissões de venda… O criador é esmagado pela criatura! A música não só ganhou vida própria, como caminha agora pelos seus próprios meios. Ela existe e move-se nas frequências que o destino lhe traçou. Já nada podemos fazer por ela. Agora só ela pode fazer algo por nós. O autor fica sozinho com o seu génio e a Música pede-lhe: “Dá-me um novo acorde”.
Design by Nagual.
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EPHEDRA - CONTRACAPA


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18.11.08

ANTOLOGIA ROBERTO BARBOSA


copyright Roberto Barbosa

17.11.08

E SE OBAMA FOSSE AFRICANO?

Por norma não publico textos alheios. Toda a regra tem excepção. Este excelente e oportuno artigo foi publicado no jornal "Savana", do Maputo, em 14/11/00. O seu autor é o escritor Mia Couto.

Os africanos rejubilaram com a vitória de Obama. Eu fui um deles. Depois de uma noite em claro, na irrealidade da penumbra da madrugada, as lágrimas corriam-me quando ele pronunciou o discurso de vencedor. Nesse momento, eu era também um vencedor. A mesma felicidade me atravessara quando Nelson Mandela foi libertado e o novo estadista sul-africano consolidava um caminho de dignificação de África. Na noite de 5 de Novembro, o novo presidente norte-americano não era apenas um homem que falava. Era a sufocada voz da esperança que se reerguia, liberta, dentro de nós. Meu coração tinha votado, mesmo sem permissão: habituado a pedir pouco, eu festejava uma vitória sem dimensões. Ao sair à rua, a minha cidade se havia deslocado para Chicago, negros e brancos respirando comungando de uma mesma surpresa feliz. Porque a vitória de Obama não foi a de uma raça sobre outra: sem a participação massiva dos americanos de todas as raças (incluindo a da maioria branca) os Estados Unidos da América não nos entregariam motivo para festejarmos. Nos dias seguintes, fui colhendo as reacções eufóricas dos mais diversos recantos do nosso continente. Pessoas anónimas, cidadãos comuns querem testemunhar a sua felicidade. Ao mesmo tempo fui tomando nota, com algumas reservas, das mensagens solidárias de dirigentes africanos. Quase todos chamavam Obama de "nosso irmão". E pensei: estarão todos esses dirigentes sendo sinceros? Será Barack Obama familiar de tanta gente politicamente tão diversa? Tenho dúvidas. Na pressa de ver preconceitos somente nos outros, não somos capazes de ver os nossos próprios racismos e xenofobias. Na pressa de condenar o Ocidente, esquecemo-nos de aceitar as lições que nos chegam desse outro lado do mundo. Foi então que me chegou às mãos um texto de um escritor camaronês, Patrice Nganang, intitulado: " E se Obama fosse camaronês?". As questões que o meu colega dos Camarões levantava sugeriram-me perguntas diversas, formuladas agora em redor da seguinte hipótese: e se Obama fosse africano e concorresse à presidência num país africano? São estas perguntas que gostaria de explorar neste texto. E se Obama fosse africano e candidato a uma presidência africana?
1. Se Obama fosse africano, um seu concorrente (um qualquer George Bush das Áfricas) inventaria mudanças na Constituição para prolongar o seu mandato para além do previsto. E o nosso Obama teria que esperar mais uns anos para voltar a candidatar-se. A espera poderia ser longa, se tomarmos em conta a permanência de um mesmo presidente no poder em África. Uns 41 anos no Gabão, 39 na Líbia, 28 no Zimbabwe, 28 na Guiné Equatorial, 28 em Angola, 27 no Egipto, 26 nos Camarões. E por aí fora, perfazendo uma quinzena de presidentes que governam há mais de 20 anos consecutivos no continente. Mugabe terá 90 anos quando terminar o mandato para o qual se impôs acima do veredicto popular.
2. Se Obama fosse africano, o mais provável era que, sendo um candidato do partido da oposição, não teria espaço para fazer campanha. Far-Ihe-iam como, por exemplo, no Zimbabwe ou nos Camarões: seria agredido fisicamente, seria preso consecutivamente, ser-Ihe-ia retirado o passaporte. Os Bushs de África não toleram opositores, não toleram a democracia.
3. Se Obama fosse africano, não seria sequer elegível em grande parte dos países porque as elites no poder inventaram leis restritivas que fecham as portas da presidência a filhos de estrangeiros e a descendentes de imigrantes. O nacionalista zambiano Kenneth Kaunda está sendo questionado, no seu próprio país, como filho de malawianos. Convenientemente "descobriram" que o homem que conduziu a Zâmbia à independência e governou por mais de 25 anos era, afinal, filho de malawianos e durante todo esse tempo tinha governado 'ilegalmente". Preso por alegadas intenções golpistas, o nosso Kenneth Kaunda (que dá nome a uma das mais nobres avenidas de Maputo) será interdito de fazer política e assim, o regime vigente, se verá livre de um opositor.
4. Sejamos claros: Obama é negro nos Estados Unidos. Em África ele é mulato. Se Obama fosse africano, veria a sua raça atirada contra o seu próprio rosto. Não que a cor da pele fosse importante para os povos que esperam ver nos seus líderes competência e trabalho sério. Mas as elites predadoras fariam campanha contra alguém que designariam por um "não autêntico africano". O mesmo irmão negro que hoje é saudado como novo Presidente americano seria vilipendiado em casa como sendo representante dos "outros", dos de outra raça, de outra bandeira (ou de nenhuma bandeira?).
5. Se fosse africano, o nosso "irmão" teria que dar muita explicação aos moralistas de serviço quando pensasse em incluir no discurso de agradecimento o apoio que recebeu dos homossexuais. Pecado mortal para os advogados da chamada "pureza africana". Para estes moralistas – tantas vezes no poder, tantas vezes com poder - a homossexualidade é um inaceitável vício mortal que é exterior a África e aos africanos.
6. Se ganhasse as eleições, Obama teria provavelmente que sentar-se à mesa de negociações e partilhar o poder com o derrotado, num processo negocial degradante que mostra que, em certos países africanos, o perdedor pode negociar aquilo que parece sagrado - a vontade do povo expressa nos votos. Nesta altura, estaria Barack Obama sentado numa mesa com um qualquer Bush em infinitas rondas negociais com mediadores africanos que nos ensinam que nos devemos contentar com as migalhas dos processos eleitorais que não correm a favor dos ditadores.
Inconclusivas conclusões. Fique claro: existem excepções neste quadro generalista. Sabemos todos de que excepções estamos falando e nós mesmos moçambicanos, fomos capazes de construir uma dessas condições à parte. Fique igualmente claro: todos estes entraves a um Obama africano não seriam impostos pelo povo, mas pelos donos do poder, por elites que fazem da governação fonte de enriquecimento sem escrúpulos. A verdade é que Obama não é africano. A verdade é que os africanos - as pessoas simples e os trabalhadores anónimos - festejaram com toda a alma a vitória americana de Obama. Mas não creio que os ditadores e corruptos de África tenham o direito de se fazerem convidados para esta festa. Porque a alegria que milhões de africanos experimentaram no dia 5 de Novembro nascia de eles investirem em Obama exactamente o oposto daquilo que conheciam da sua experiência com os seus próprios dirigentes. Por muito que nos custe admitir, apenas uma minoria de estados africanos conhecem ou conheceram dirigentes preocupados com o bem público. No mesmo dia em que Obama confirmava a condição de vencedor, os noticiários internacionais abarrotavam de notícias terríveis sobre África. No mesmo dia da vitória da maioria norte-americana, África continuava sendo derrotada por guerras, má gestão, ambição desmesurada de políticos gananciosos. Depois de terem morto a democracia, esses políticos estão matando a própria política. Resta a guerra, em alguns casos. Outros, a desistência e o cinismo. Só há um modo verdadeiro de celebrar Obama nos países africanos: é lutar para que mais bandeiras de esperança possam nascer aqui, no nosso continente. É lutar para que Obamas africanos possam também vencer. E nós, africanos de todas as etnias e raças, vencermos com esses Obamas e celebrarmos em nossa casa aquilo que agora festejamos em casa alheia.

16.11.08

FILHOS DO POVO DO SUL - XXXV

E foi exacta e precisamente no momento em que tínhamos decidido começar a cantar, trocando o instrumental jazz-rock-psicadélico por canções pop nacional-progressistas, que o Duarte Mendonça se lembrou de nos convidar para tocar no Festival de Jazz de Cascais de 1974!!!
O homem ficou desconsolado. Mais, ficou horrorizado: “É pá, cantar...?! Em português?! E não dá para esgalhar uns standards de jazz, só para encher?” A conversa azedou. Saímos a discutir a conceptualização do jazz; a piroseira dos standards; a caretice da “organização”; a possidonice do homem.
Mais uma vez falhámos... Mais uma vez estivemos ausentes... Mais uma vez a “História” passou ao lado. O tempo sempre esteve à nossa frente ou atrás de nós. Nunca nos caiu redondamente em cima.
Hoje podíamos ter o “curriculum” inscrito no programa do Festival. Podíamos ter apertado a mão suada a um qualquer saxofonista afro-americano. Podíamos ter fumado um charro com os “roadies” do Miles Davis e, acima de tudo, podíamos ter recebido a habitual pateada com que eram abençoados os grupos portugueses. Paciência!
A verdade é que era imperativo mudar. Era imperativo cantar. Até porque tínhamos grandes letristas na banda: o Luís, devastador na sua introspecção analítica; o Paulo, na sua sociologia perturbadora; o Xico Zé, na simplicidade hermética; o Marcial, nas entremalhas do sistema. E tínhamos também grandes cantores, o Paulo e o Xico Zé e, nos bastidores, "groupies" ansiosos, o Rodrigo e a Isabel, irmãos de voz rouca e afadistada.
Aliás, os “King Crimson”, os “Soft Machine” e os “Pink Floyd” também cantavam!
Começámos a cantar e nunca mais parámos. Ainda hoje cantamos. No fundo somos da geração dos “Beatles” e do Caetano Veloso. Sabemos que uma palavra vale mais do que uma nota e se a palavra acerta na nota, então temos mensagem.
E, assim, o “Ephedra” entrou na “fase popular” emprestando à revolução a consciência do charro. Até tínhamos hino:
“Erva do mato, erva do mato, erva do mato,/Mata minha dor.../Erva do mato, erva do mato, erva do mato,/Dá-me um novo amor.../Erva do mato verde aos molhos,/Por causa de ti choram os meus olhos”
Bonito, não é! Sempre é melhor do que: “... contra os canhões, marchar, marchar”!
jp

TODAY'S FLOWER

OLHAR A SEMANA

Veja no "Olhar Direito".

BURROS EM EXTINÇÃO




A raça asinina de Miranda está em extinção. São os conhecidos burros lanudos, bem adaptados à região fria e rústica do nordeste transmontano. Há quem tome conta deles. Ajude. Adopte um burro. Consulte www.aepga.pt O seu donativo pode salvar burros.

14.11.08

O MEU ÍDOLO - A BACTÉRIA

Claro que na infância precoce o Pato Donald foi uma referência. Na adolescência rebelde virei-me para o Hendrix, o Jim Morison e o Frank Zappa. Cheguei mesmo a admirar Buda na sua infinita sabedoria. Mas, francamente, o que é toda esta gente comparada com as bactérias?!
Durante 2 biliões de anos as bactérias foram a única forma de vida. As primitivas cianobactérias aprenderam a viver à custa do único recurso disponível – o hidrogénio, que existe em abundância na água. Absorviam as moléculas de água, fixando o hidrogénio e libertando o oxigénio como desperdício. Inventaram, assim, a fotosíntese, a inovação mais importante na história da vida do planeta, permitindo o aparecimento de organismos complexos consumidores de oxigénio. Demorou tempo a oxigenar a atmosfera, cerca de 40% do total da história da Terra. Finalmente, surgiram novos tipos de células, células com um núcleo e com outras pequenas estruturas designadas “organelos”. Provavelmente uma bactéria foi capturada por outra e esse facto acabou por convir a ambas. Deste primeiro casamento biológico nasceram as eucariotas, um novo tipo de células que, utilizando oxigénio de forma a libertar energia a partir das substâncias alimentares, permitiram o aparecimento de seres ainda mais complexos e deram origem à vida como hoje a conhecemos.
As bactérias, depois de nos terem criado, mantiveram connosco uma estreita relação. Elas estão por todo o lado. Pelo menos, um trilião de bactérias pasta nas planícies do nosso corpo. Alimentam-se dos cerca de dez biliões de flocos de pele que libertamos todos os dias e das saborosas gorduras e revigorantes sais minerais que eliminamos pelos poros. Como agradecimento, oferecem-nos o odor corporal. Depois, há mais uns triliões enfiadas nas entranhas e vias nasais, agarradas ao cabelo, a escavar no esmalte dos dentes… Só no intestino temos mais de um trilião de 400 tipos diferentes. O corpo humano hospeda cerca de cem quatriliões de bactérias. Elas são uma grande parte de nós e nós uma pequena parte delas.
As bactérias processam os nossos desperdícios. Purificam a nossa água e mantêm os solos produtivos. Sintetizam as vitaminas nos nossos intestinos. Atacam os micróbios estranhos que nos tentam invadir. Mesmo depois de nós desaparecermos, as bactérias ficarão por cá. O planeta pertence-lhes e nós só estamos cá porque elas deixam. Elas sobreviveram biliões de anos sem nós. Nós não podemos sobreviver nem um dia sem elas.
jp

13.11.08

FILHOS DO POVO DO SUL - XXXIV

Coincidência ou não, a partir de 1975 o “rock-progressivo” entrou em decadência pelo mundo fora. O filão tinha-se esgotado. Os temas tornavam-se repetitivos. As bandas começaram a dissolver-se. A imaginação a esvair-se. Outros movimentos surgiram.
Nós, desde Janeiro de 1974, tínhamos decidido largar a música exclusivamente instrumental e começado a cantar em português, antecipando as centenas de baladeiros, ditos “cantores de intervenção”, que de repente surgiram do nada. Todo o bicho careta com barba hirsuta e boininha preta achou que era um desígnio nacional desatar a desafinar letras sobre o povo unido e gaivotas que voam, que voam, com acordes de meia tigela aprendidos de véspera entre cerveja morna no bar da associação cultural lá da terrinha.
Foi uma terrível regressão para a música popular portuguesa. Ah, se tivéssemos podido influenciar o Zeca Afonso...!
Para definir bem o nosso estado de espírito, logo no primeiro concerto em que cantámos, no Outono de 74, ali no “1ºActo”, em Algés, atirámos-lhes com o “Palhaço” que recitava assim: “... O senhor doutor/formado e informado/de formato normalizado. /Distribuído em policópias/é mais barato. /Quatro diópterias na vista cansada da tomada de consciência e o coração inchado da vivência do panfleto. /Senhor doutor/que temos hoje, conferência/colóquio ou comício? /É importante um ópio qualquer/é urgente um vício!”.
jp

ANTOLOGIA ROBERTO BARBOSA




O Roberto gostava de mulheres e as mulheres gostavam dele.

Copyright Roberto Barbosa

12.11.08

FILHOS DO POVO DO SUL - XXXIII

Com o aproximar de 28 de Novembro e do concerto de lançamento do CD dos "EPHEDRA", faz sentido intensificar os posts sobre a história desse mítico grupo musical, agora renascido das cinzas...
Mas a verdade é que o “25 de Abril” aconteceu mesmo. Era inevitável! Ganhámos a tão almejada liberdade que, por definição, tínhamos de ter. Hoje andamos todos muito soltos, carregados de défice, de óculos “Armani”, engarrafados em jipes equipados de origem com mulheres de idade incerta, mas sempre loiras, muito loiras... A revolução valeu a pena!
O dia 25 de Abril de 1974 foi estranho. Não me lembro de quase nada. Levantei-me pelo meio-dia e soube que tinha havido golpe de Estado, ao som de “Grândola Vila Morena”. Estava de ressaca e ainda fiquei com mais dor de cabeça, sem conseguir atingir a profundidade da coisa, perdido entre aspirinas de ocasião.
Os meus pais estavam em Bruxelas, numa reunião da NATO, e eu estava lá por casa a tomar conta dos bens de família, enquanto a minha mulher de então já devia andar a curtir com outro.
Fui ouvindo notícias surrealistas de difícil compreensão àquela hora tão matinal: povo na rua; cravos nas espingardas; calças boca-de-sino penduradas no Largo do Carmo; tanques em cada esquina; ministros presos; PIDE’s em fuga; o Império a decair... Até que enfim alguém se lembrava de mudar o regime, o que sempre me pareceu coisa óbvia e simples de fazer. Não sei para que foi todo aquele alarido!
Fumei um charro para descontrair e esperei pelo noticiário da noite. Apareceram então uns generais a preto e branco com ar absolutamente sinistro que entraram de imediato no imaginário colectivo dos putos substituindo o desgastado “papão”: “Se não comes a sopa toda, chamo a Junta de Salvação Nacional”!
Depois seguiram-se as habituais “abriladas”, “belenzadas” e “vilafrancadas”... Os governos sucediam-se a uma velocidade difícil de acompanhar e ainda por cima eram sempre provisórios! Desisti de tentar perceber.
Naquele ano de 1974 tinha acabado o curso de direito. Escapei ao MRPP e safei-me da tropa. Passei directamente à reserva territorial, de onde, aliás, nunca tinha saído…
Em vez de começar logo a trabalhar como jurista, tirei umas férias sabáticas. Continuei a ser músico e no melhor estilo de gestor-hippy, dediquei-me ao negócio dos comes e bebes e ao artesanato primitivo-futurista, enquanto a revolução corria alegremente.
jp

TERTÚLIA VIRTUAL - 15 DE NOVEMBRO

É já no dia 15 de Novembro a próxima Tertúlia Virtual. Desta vez o tema foi escolhido pelo Eduardo : "MEU ÍDOLO". Todos tívemos ídolos na infância, na adolescência, porventura ainda hoje. Ídolos familiares, políticos, artísticos... Por vezes temos mais do que um. Às vezes não são reais. São personagens de ficção. Da banda desenhada, do cinema, da literatura. A escolha é vossa. Paticipem inscrevendo-se no blogue TERTÚLIA VIRTUAL As inscrições abrem dia 14. Já agora, o que é um ídolo e como pode ele (ela) afectar-nos?

11.11.08

VIAGEM AO PASSADO - ÉRAMOS JOVENS




1975. Éramos jovens e inconscientes. Passeávamos pelo país no meio da maior confusão política. Vivíamos nas entremalhas do sistema. Dormíamos em carrinhas emprestadas. Comíamos onde calhava. Fazíamos o que queríamos. Éramos jovens. Tudo era novidade. A vida era a estrear!

10.11.08

VIAGEM AO PASSADO - POR TERRAS DO GERÊS





Mais slides de 1975 recuperados. Algures na Serra do Gerês. Banhos nus em rios gelados e gado bravo por entre penhascos e caminhos perdidos, na natureza selvagem do Parque Nacional. O facto das fotos terem esta cor, deve-se exclusivamente à utilização de um filme de infra-vermelhos e não à ingestão de qualquer substância psico-activa.

AVENTURAS DE ARNALDO ROCHA - ERRO CRASSO

Como dizia Santo Agostinho, o tempo não existe: o passado já passou; o futuro ainda não chegou; o presente acabou de passar. Arnaldo Rocha é um agente especial da poderosa “Organização” que tenta, desesperadamente, criar o “Quinto Império”, a união do norte e do sul, do leste e do oeste. Arnaldo Rocha percorre o tempo atrás do mito.
Publicação simultânea, em episódios, no Brasil (“Quem Conta um Conto”) e em Portugal (“Expresso da Linha”), todas as terças e sextas feiras.


EPISÓDIO VII (continuação)
Roma falhou por pouco o contacto directo com a China. O desastre de Crasso fechou-lhe a rota da seda.
O desastre de Crasso foi também o começo do fim do “triunvirato”… O Império adiado. De facto, Marco Licínio Crasso era o traço de união entre Cneu Pompeu Magno e Caio Júlio César. Na sequência da sua morte, nova guerra civil. César vence Pompeu em Farsália, em 48 a.C. e nesse mesmo ano os alexandrinos retiram a Magno o crânio em fuga, separando-o definitivamente dos ombros espadaúdos. Quatro anos depois César é assassinado em pleno Senado, nos idos de Março. Roma perdia o primeiro imperador. César nunca chegou a ser Augusto. Arnaldo falhara outra vez a missão.
No dia seguinte, Arnaldo Rocha recebe um mail. Convocação urgente à sede da “Organização”. O grão-mestre Hiram XIII lançou-lhe um olhar fulminante e disse-lhe friamente: “Temos de recomeçar tudo de novo, Arnaldo… Cometeste um erro crasso”.
FIM

Por razões editoriais interrompemos as "Aventuras de Arnaldo Rocha". Dia 2 de Dezembro voltaremos com nova história "De Lisboa a Calecute". Todos os mistérios dos Descobrimentos serão desvendados.
jp

ROSA CÔTA




Em cima, a ceramista Rosa Côta no seu atelier, fotografada em 1975, data em que lhe comprei as peças que se podem ver nas fotos em baixo. Rosa Côta foi uma das grandes ceramistas populares de Barcelos, na melhor tradição de Rosa Ramalho.

9.11.08

FILHOS DO POVO DO SUL - XXXII

Logo de seguida fomos contactados pelo Zeca Afonso para ouvir uma “maquette” que ele tinha para o próximo álbum. O homem queria introduzir um som modernaço. Queria mudar o som e nós, quando era para mudar, mudávamos mesmo!
Fui eu, o Luís e o Chico Zé. Encontrámo-nos num café manhoso em Campo de Ourique onde tomámos uma bica de apresentação e seguimos para um estúdio-garagem algures na vizinhança. Apresentou-nos uma “maquette” ainda muito tosca com três ou quatro músicas.
Lembro-me vagamente que o Zeca era simpático, muito tímido e algo embrulhado a falar. Mas tinha boas ideias, especialmente a de querer tocar connosco.
Ficámos pelas ideias, que o homem pisgou-se para Paris ligeiramente empurrado pela PIDE. Queria levar o vibrafone, não sei se comigo também.
O disco acabou gravado no estrangeiro, orquestrado por um tal Fausto e chama-se “Venham Mais Cinco”, um dos álbuns mais emblemáticos do Zeca.
Ah, se tivéssemos sido nós a orquestrar... Ah, se tivéssemos sido nós a tocar! Nada seria como dantes, nem como depois. A música portuguesa teria tomado outros rumos. Os baladeiros não mais se atreveriam ao dó, fá, sol, em compasso quatrenário ... Quiçá o “25 de Abril” não teria sido como foi!
jp

TODAY'S FLOWER

8.11.08

OLHAR A SEMANA

Veja no blogue "OLHAR DIREITO".

VIAGEM AO PASSADO - MINHO




Em 1975 andava eu por esse país fora, de norte a sul, em busca de peças de artesanato regional para vender na loja que acabara de abrir em Paço D'Arcos. Eram viagens por estradas inexistentes, ao volante duma carrinha que teimava em parar quando muito bem lhe apetecia. A política andava, então, assanhada entre os "comunas" e os de direita. Nada que me interessasse. Estava casado pela primeira vez. Era jovem e tudo parecia possível. Conheci muitas terras. Muitas gentes. Conheci um país rural, pobre e abandonado de pessoas hospitaleiras e simpáticas que comigo compartilhavam a refeição de batatas com couves. Na época tirava slides, numa Minolta entretanto desaparecida. Estou agora a recuperar esses slides. Deixo-vos uma amostra.

7.11.08

AVENTURAS DE ARNALDO ROCHA - ERRO CRASSO

Como dizia Santo Agostinho, o tempo não existe: o passado já passou; o futuro ainda não chegou; o presente acabou de passar. Arnaldo Rocha é um agente especial da poderosa “Organização” que tenta, desesperadamente, criar o “Quinto Império”, a união do norte e do sul, do leste e do oeste. Arnaldo Rocha percorre o tempo atrás do mito.
Publicação simultânea, em episódios, no Brasil (“Quem Conta um Conto”) e em Portugal (“Expresso da Linha”), todas as terças e sextas feiras.
EPISÓDIO VI I(continuação)
Efectivamente, a missão “pax romana” não podia estar a correr melhor. No início daquele ano 60 antes do futuro Cristo, Arnaldo Rocha fora chamado à sede da “Organização”, instalada nos labirintos da pirâmide de Keops. As ordens foram muito precisas: ”Temos de fundir todos os povos. Unir leste a oeste. Construir o mundo global. Centralizar o poder. Dar ao povo pão e circo e, acima de tudo, evitar religiões. Por isso a república romana está condenada. Perdeu vitalidade e controle. Tem de cair. Temos de passar ao Império. O problema é saber quem será o primeiro imperador. Essa é a tua missão, Arnaldo. Vai, segue para Roma. Descobre o primeiro imperador”.

Enquanto Catão berrava no Senado contra os riscos da ditadura que se adivinhava, César, Crasso e Pompeu reuniram-se em Lucca, em Abril de 56 antes do tal Cristo, para renovarem o pacto. A República parecia tranquila e, no entanto, aproximava-se do fim. Pompeu faz-se marido de Júlia. César avança para a Gália. Crasso prepara uma grande expedição contra os Partos.
Efectivamente, o pacto garantia a Crasso o consulado em Roma e o proconsulado in Siria per un quinquennio con il compito di condurre guerra ai Parti. La spedizione, voluta per desiderio di emulare la gloria bellica dei due colleghi e di accrescere le proprie richezze. Per mancanza di preparatione e per inesperienza si risolse in una delle più gravi catastrofi della storia militare romana.
No ano 54 a.C., enquanto a Gália se revolta sob a chefia de Vercingetórix, Crasso mergulha com as suas legiões na Mesopotâmia. Crasso passa o Eufrates em pose descontraída. Em traje de piquenique. Julgava encontrar povos helenizados. Enganou-se!
Os cavaleiros inimigos não davam combate. Os Partos eram uma variedade de Citas com mistura de sangue mongólico. Os seus arcos disparavam “flechas cantantes”. Depois desapareciam. Os Partos usavam o arco compósito feito de cinco lâminas de chifre, como as molas de uma carruagem. Um arco curto, extremamente difícil de flectir. Dava à flecha uma trajectória recta, um notável alcance e um zunido impressionante. Era o arco de Ulisses, desaparecido do Mediterrâneo por falta de animais para fornecer chifres. Sobreviveu como “arco mongólico”.
Em 28 de Maio de 53, as legiões estavam exaustas. Desgastadas pela fome, calor e sede, sem conseguir ver o inimigo. Crasso, desesperado, decide enfiar por um desfiladeiro para abreviar o combate. Abreviou a vida a vinte mil legionários. Os Partos obstruíram os acessos e só pararam quando as flechas acabaram. Foi a batalha de Carras.
Crasso escapou milagrosamente. Quis negociar. Esqueceu-se que não estava em Roma. Foi aprisionado e despejaram-lhe ouro fundido pela garganta abaixo como recompensa da sua carreira de usurário.
(continua na 3ª feira)
jp

6.11.08

JET LEG

Quando Phileas Fogg julga ter perdido a aposta de dar a volta ao mundo em 80 dias, é informado por Passepartout de que o dia em questão é Sábado e não Domingo. Ao dirigir-se para leste "foi à frente do Sol e, portanto, os dias diminuíram 4 minutos por grau", o que perfaz 24 horas em 360 graus. Assim, enquanto ele viu o Sol cruzar o meridiano 80 vezes, os seus companheiros do Reform Club, em Londres, apenas viram o fenómeno 79 vezes. Inversamente, se tivesse viajado para oeste, teria perdido 1 dia.
Em Outubro de 1884, em Washington, a Conferência Internacional do Meridiano adoptou uma proposta dos USA para padronização e harmonização do tempo segundo a qual o meridiano principal deveria situar-se na "passagem pelo centro do instrumento de trânsito no Observatório de Greenwich". Este passou a ser o meridiano 0º. O globo passou a estar dividido em fusos horários que se situam entre os pólos. Os seus limites são algo irregulares, podendo ser afectados por factores políticos. Por exemplo: a Islândia adoptou a hora de Greenwich; a Espanha e a França estão uma hora adiantados; a China e a Índia impõem uma hora única em todo o território. A Rússia, pelo contrário, tem onze fusos horários!
Um viajante que se dirija para leste cruzando o meridiano de 180º a leste de Grennwich, tem de devolver o dia que ganhou, ao passo que se fôr para oeste tem de recuperar o dia que perdeu. Quando viajamos de avião temos de fazer esta operação. Só que a velocidade do voo faz-nos andar à frente ou atrás dos fusos. Quando chegamos sofremos o jet lag (ou à brasileira o jet leg), um desequilíbrio entre o nosso ritmo biológico e os indicadores externos ambientais que servem de referência, neste caso as horas locais. Parece que o segredo para o evitar, sem precisar de adaptação progressiva, é entrar de imediato no ritmo do lugar de chegada e esquecer que estamos desfasados.
NOTA: com esta explicação mais ou menos parva, acaba a "expedição" ao Recife.
jp

SEM ESCALA