30.11.08
29.11.08
EPHEDRA - O CONCERTO
28.11.08
FILHOS DO POVO DO SUL - LXII


Um amigo, o J.R., rapaz de iniciativa e muita inconsciência, resolveu ficar com a exploração de todo o “shopping” e desatou a chagar os amigos para lhe arrendar lojas.
Eu caí na asneira de ficar com a loja nº13 dedicada a artesanato. Mais propriamente “artesanato – venda de peças e outras regionais”, como oficialmente se designava a actividade no impresso da contribuição industrial que, de imediato, comecei a liquidar.
Passei também a ter a ter cartão de comerciante e uma auspiciosa carreira de empresário por conta própria que, no ano seguinte, se estendeu aos “comes e bebes”.
A “Loja de Artesanato” tinha um projecto inovador para a época: uma linha de mobílias “hippy”, simples e baratas, dirigida a jovens em princípio de vida. Ia-se ao Minho buscar maceiras, louceiros, arcas, bancos, cadeiras e mesas de cozinha, tudo em pinho verde para mais tarde empenar. Depois faziam-se ligeiras transformações psicadélicas… e já está!
Do Minho vinham também canecas vidradas de cores garridas; canjirões para vinho; jarras “mamudas” e peças de barro extralúcidas do Mistério e da Rosa Cota, que ainda cheguei a conhecer. Do Algarve vinham cestos e esteiras de empreita, comprados nos armazéns de Loulé. Também havia peças de amigos à comissão… Enfim, nada que não exista hoje em pelo menos 3.500 lojas e barracas espalhadas pelo pais fora. Agora em 75, em Paço D’Arcos… era inovação!
O Centro Comercial dispunha de lojas variadas. Cá em cima, uma elegante loja de peixes decorativos. Lá em baixo, dois bares: um mais nocturno, chamado “Zodíaco”, explorado directamente pela gerência e que normalmente estava às moscas e, na outra ponta, um café-bar desbundado colectivamente pela maralha de Paço D’Arcos e Caxias, alcunhado de “Bar do Pio”. Tinha máquinas de jogo tipo “flippers”, barulheira e, acima de tudo, o “Salta-me a Cuca”, um “shot” inventado num momento de rara lucidez e que consistia em misturar tudo o que havia disponível na garrafeira, duas pedras de gelo e… salta-me a cuca!
Entre os dois bares um sinuoso corredor com uma profusão de lojas prontas a servir o cliente mais afoito: retrosaria; perfumaria; pronto-a-vestir; artesanato e loja de fotografias.
A “Foto Aries” era mesmo em frente do “Artesanato”. Logo a seguir o café-bar. Era a zona “freak” do Centro.
A “Foto Aries” era explorada pelo Roberto, pelo Zé Maria e pelo Zé Octávio. Vendiam rolos; revelavam; aumentavam… o costume. A câmara escura era o local mais apetecível de todo o Centro: enrolava-se; charrava-se; apalpava-se… até servia de gabinete de provas para as miúdas que na altura estavam numa de confeccionar a própria roupa.
Neste súbito afã empresarial, juntei-me a uns amigos para explorar um bar/restaurante. Foi uma das piores iniciativas que tive em toda a minha vida. A coisa passou-se ali em Caxias, terra morta, de difícil acesso, ao lado da fedorenta ribeira de Laveiras. Acresce que ninguém tinha qualquer experiência de restauração.
A casa tinha um só piso em L, com logradouro vasto, pequeno parque para crianças com baloiços e escorrega, pintada em cal branca e janelas enquadradas a azul, tipo alentejano.
Tomámos aquilo de exploração e procedemos a remodelação total para a qual convocámos todos os amigos, a troco de cerveja gratuita.
Eu fiquei com o restaurante. Chamava-se “Cozinha da Cartuxa”. Os sócios eram o Zé Tó, que oferecia a grande vantagem do pai ter uns talhos e a enorme desvantagem de beber que nem uma esponja; o Jó, que só tinha desvantagens e o João e a Raquel, que se encarregaram da cozinha, coisa que nos pareceu o mínimo indispensável para abrir um restaurante.
O bar ficou para o Xico Zé e o Zé Carlos (primeiro baterista do “Ephedra”, há muito retirado das lides).
O modelo de negócio era simples. À noite os clientes empanturravam-se primeiro no restaurante e seguiam ao bar onde passariam a noite a beber cervejolas, whiskies de malte e tostas mistas, até cair para o lado. Às vezes até havia música ao vivo. Ao almoço seria mais para negócios. Aos fins de semana famílias inteiras de caxienses acorreriam, depois da missa, deixando os petizes entretidos no parque infantil, enquanto aumentavam o colestrol nas mesas comunitárias do refeitório.
O restaurante foi a primeira “tasca moderna” da região de Lisboa e Vale do Tejo. Paredes brancas, mesas pretas com tampo de mármore e bancos corridos igualmente em preto. Chão de tijoleira. Por cima de cada mesa candeeiros psicadélicos pintados pelo Paulo, contrastando no branco e preto da sala. O serviço era muito informal… mesmo muito informal!
As especialidades da casa eram o “bifinho à Cartuxa” (um vulgar bitoque com molho de natas), açorda de gambas (infelizmente ainda sem o delicioso “tabopan” de marisco), a feijoada à transmontana (com couve galega, como mandam as regras) e os pudins cabo verdianos da "titi", mãe do Roberto. Tudo regado a vinho de jarro sacado directamente da pipa.
Como sempre, e por exclusão de partes, acabei empurrado para tarefas logísticas. Duas vezes por semana pelas sete da manhã ia à Ribeira ou ao Mercado Abastecedor (ali ao Campo Grande) e escolhia peixe fresco, frutas e legumes, sacas de batatas e cebolas. Uma vez por mês ia a Nelas buscar vinho regional e ao Alentejo buscar queijinhos de cabra e de ovelha.
Tinha comprado uma velha carrinha Morris em 5ª mão daquelas que andam permanentemente engasgadas e pegam de empurrão, poluindo a estratosfera de puro gasóleo e com uma incorrigível tendência para fugir para a esquerda. Percorri o pais no abastecimento para o restaurante; na aquisição de artesanato para a loja; no transporte do material ephedriano. Por isso não se admirem se ainda hoje souber escolher um goraz ou se conhecer uma recôndita estrada secundária atrás das moitas.
No restaurante o serviço era um primor post-moderno. O Jó encarava placidamente os clientes com a cinza pendente no cigarro pendurado, enquanto tirava os pedidos coçando crostas na cabeça com a tampa da caneta “Bic”. O Zé Tó esgotava, com denodada preserverança, a reserva de conhaque “Rémy Martin” e atirava com garfos para cima de ovos estrelados, rebentando a gema à vista dos comensais estupefactos. Os bifes, na ânsia de ser comidos, saltavam para o chão como se tivessem molas. De tempos a tempos, uma beata de cigarro despontava irreverente no meio da feijoada. Lá dentro, na cozinha, os cães do João e da Raquel passeavam impunes, soltando livremente pulgas e carraças no chão peganhoso de desperdícios oleosos. Eu servia copos de três atrás do balcão tentando passar despercebido, preocupado com as precárias entradas de caixa.
Um dia saiu uma crítica favorável no “Expresso”. Foi um desastre. No fim de semana seguinte a invasão foi tal que rompeu os abastecimentos. Os clientes esperaram horas enquanto corríamos a casa dos pais tentando encontrar desesperadamente meia dúzia de ovos, um reforço de fruta, restos de entrecosto… O serviço às mesas tornou-se de abandalhado em inexistente. Todos nos refugiávamos na cozinha recusando enfrentar as reclamações da clientela que debandou enraivecida sem pagar a conta.
E a paz voltou. Essa paz que nos permitia jantar sossegadamente com os amigos, devastando a garrafeira sem risco de ser incomodados por um intrépido cliente exigindo ser atendido!
Obviamente as dúvidas sobre a viabilidade do negócio cresciam, mas ninguém sabia avaliar a situação. A bem dizer ninguém sabia fazer contas. Era a chamada gestão permanentemente corrente. Ou seria decorrente?
26.11.08
FILHOS DO POVO DO SUL - LXI

Agora, em 1975, a maioria tinha já 22 ou 23 anos. Alguns, tropa feita. Outros, faculdades a acabar. Muitos de nós casados. A utopia cada vez mais longe!
De 70 a 75 muita coisa tinha mudado: o mundo; o país; as nossas vidas; as nossas expectativas…
Os nossos pais continuavam a sustentar-nos mesmo casados e tudo. Mas por quanto tempo mais? Estávamos a adiar, sempre a adiar. O “Ephedra” serviu de pretexto. Nunca conseguiríamos ter êxito? Não tínhamos talento? Haveria mercado para nós? Deixar a música era deixar o sonho. Deixar o sonho era passarmos a ser adultos!
À nossa volta tudo tinha mudado. O “progressivo” desaparecia rapidamente. Um movimento efémero. Hoje, existe apenas para "entendidos" e coleccionadores.
Em 75 o mundo queria voltar a dançar. Queria “disco sound”, queria “funk”. Em Portugal, era mais baladas revolucionárias e o começo de grupos “folk” de segunda geração, como a “Banda do Casaco” ou os “Trovante”.
Em 75 tentávamos ainda adiar o inevitável. Mas as decisões aproximavam-se inexoravelmente!
25.11.08
FILHOS DO POVO DO SUL - XL

Na dificuldade da indefinição, como acontece na maioria das crises, acabamos ganhando o céu.
Os Sequeiras tinham uma quinta em pleno Santo Amaro praticamente desabitada. Apenas por lá andava um “retornado” mal encarado com a vaga missão de tomar conta da casa apalaçada. Só que o palácio tinha cave, dois andares e sótão. Talvez uns 2000 metros quadrados de construção. As ocupações selvagens post-abrilistas eram uma ameaça real… Nós, apenas ruído e agitação permanente!
Deram-nos acesso de borla só para afugentar o fantasma da ocupação e até nos pediram para fazer muito barulho. Melhor era impossível!!!
À volta estendia-se um vasto terreno, hoje urbanizado na aristocrática “Vila Beckman”. O palácio foi depois Tribunal e é agora sede de várias PME’s. Ah, se aquelas paredes cantassem quem lá trabalha hoje não teria um momento de descanso!
Ficámos na cave com entrada própria. Uma porta castanha desbotada por debaixo de um alpendre forrado em glícinias. Desciam-se três degraus de cimento tosco que davam para um salão enorme. Duzentos metros quadrados ou mais! Levámos o nosso painel labiríntico do “1ºActo” que preencheu uma das paredes laterais potenciando a profundidade do nosso sonho.
A sala tinha uma parte mais larga logo à entrada. Pedimos estrados emprestados ao “Coro de Stº Amaro de Oeiras” e montámos um pequeno auditório com 50 ou 60 lugares. Passámos a poder ensaiar e dar concertos no mesmo local. Os “groupies” passaram a pagar bilhete. O sonho de qualquer banda… O círculo fechou-se!
O jardim servia de creche ao filho do Rodrigo passeado com desvelo pela Helena que namorava o Paulo. A Helena deve ter sido a mulher que mais sofreu com o “Ephedra”. Não tocava, não cantava e tenho impressão que nem gostava muito da música. Ela gostava era do Paulo. Começou a namorar aos 16 anos e casou aos 20. Sempre entre ensaios; marcada por compassos de espera; atazanada por decibéis desvairados; entalada entre aparelhagem nas deslocações para concertos distantesNem depois de casar o “karma” mudou. Nós, é que mudámos o ensaio para casa dela!
ANTOLOGIA ROBERTO BARBOSA
23.11.08
A TURMA DE 68
FILHOS DO POVO DO SUL - XXXIX

A filosofia era simples e de grande alcance mediático. Um amigo dele estava a chegar da Holanda carregado de ácidos variados: “Window Pain”; “Pink Floyd”; “Vulcões”. Reúnem-se dez músicos em ambiente fechado. Espeta-se-lhes com o dito LSD nos cornos e vai de tocar. Condição essencial: ninguém sabe o que vai tocar e não há qualquer combinação prévia. Finalmente faz-se imensa publicidade nos jornais da especialidade e dão-se imensas entrevistas extralúcidas de forma a lá estar a crítica toda.
A filosofia era esta. O resultado foi: a crítica compareceu em massa, tentando entrevistar músicos à beira do flipanço; os ácidos, na euforia da toma, entornaram-se pelo chão, obrigando músicos e espectadores a andar de cócoras à procura das pastilhas; o Sebastião, debaixo de toda aquela pressão, deixou de cobrar entradas e desatou a dar sandes de borla balbuciando frases post-modernas. O público achou que era tudo truque de marketing. Alguns músicos, por manifesta falta de “iluminação”, baldaram-se logo no arranque. Outros foram saindo do palco durante o “happenning” à medida que alucinavam e eram evacuados por um piquete anti-lissérgico. Outros, porém, continuaram a tocar mesmo para além do fim do espectáculo que, por definição, ninguém sabia quando era.
As críticas foram, obviamente, excelentes. Toda a gente julgou que tudo fora meticulosamente encenado e ensaiado. Alguém gravou num gravador de fita. Não sei quem foi... Se esse alguém ler isto que se acuse, por favor.
Quando o pesadelo parecia ter acabado, já a caminho da estação de Algés, alguém com o ácido mais exaltado, lembrou-se que a aparelhagem ficara sozinha à solta dentro do “1ºActo” à disposição de qualquer meliante. Paranóia instalada! Todos para trás. Galgámos o portão de ferro com dois metros de altura que, no entanto, permitia entrada por uma estreita abertura superior, prova provada que se nós entrámos outros também o poderiam fazer. A paranóia encontrou imediatamente justificação e decidimos acampar dentro do recinto até alvorecer.
Estávamos nisto quando chega um membro da direcção do clube, furioso, alegando invasão, intromissão, assalto, etc, etc. Discussão difícil, baseada nos seguintes argumentos tridimensionais e a cores: se nós podemos entrar, outros também; se outros podem entrar, então nós não saímos!
Perante esta lógica inabalável acabámos corridos a pontapé com ameaças de recurso à polícia, o que nos colocou logo noutro nível de paranóia. Aliás, com LSD não se pode estar muito tempo na mesma paranóia. O truque é ir variando!
Saímos satisfeitos com o compromisso conseguido que já ninguém sabia qual era e fomos direitos ao comboio tentando afugentar todos os nossos fantasmas sem sossego!
22.11.08
21.11.08
FILHOS DO POVO DO SUL - XXXVIII

Concebemos um espectáculo arrojado que dava pela singela designação de “Meu Nome É Andros”. Era uma performance multimédia, avançadíssima para a época. Um espectáculo-encenado: música, teatro, pintura, poesia, leitura, diaporama...
A cena era recriada no nosso ambiente quotidiano, o nosso “clube nocturno”. A sala do Rodrigo foi literalmente transportada para o palco com mesa de camilha e tudo, onde se sentavam músicos, figurantes e amigos que subiam ocasionalmente ao palco para enrolar uma.
Atrás, “o labinto de labirintos dentro do apartamento”. Um cenário gigantesco, a toda a largura do palco, com colunas e abóbadas a perder de perspectiva; templos góticos em decadência acelerada; escadas infinitas e corredores sinuosos; monstros reptilóides e aves sinistras pendentes num céu roxo de fogo. No meio de todo aquele barroco, a cara renascentista de um Beethoven psicadélico a vigiar tudo e todos na sua surdez iluminada.
O espectáculo começava com a voz barítono do Luís Manuel, expressamente convidado para o efeito, que introduzia o texto “Meu Nome É Andros”, enquanto o Roberto passava uma diaporama à base de slides enigmáticos com feixes cruzados colorindo o palco escuro e vazio.
O texto era desmotivador para qualquer um remetendo-nos à nossa pequenez no universo e acabava com uma enorme interrogação: “... Às vezes pergunto-me: Para quê, para onde? Não haverá um atalho?”
Depois acendiam-se as luzes de cena e entravam os músicos tropeçando nos degraus que desciam para o palco batendo deliberadamente com a cabeça nas colunas de som com ar de zombies. Os figurantes acendiam-se na mesa de camilha conversando como se estivessem em casa, tricotando malha, baralhando cartas ou enrolando mortalhas.
Os músicos eram imensos. Para além do núcleo base, havia convidados especiais e estreias absolutas. Ao todo uma dúzia. Quem não estava a tocar, sentava-se na mesa e ia fazendo fingir qualquer coisa. Depois trocávamos e assim sucessivamente.
Foi a primeira vez que cantámos para grande choque do público mais aficcionado. Era tempo de sermos post-rock-progressivos, ligeiramente neo-regressivos, um pouco auto-depressivos.
Foi dia de estreia para o Rodrigo, na flauta e voz; para a Isabel, na voz; para o Toni, na bateria e para o Marcial, no violão.
A Isabel seria a minha segunda mulher, mas eu ainda não sabia. O Rodrigo suava de flauta de bisel em riste, com nervos à flor da pele. O Toni, numa sucessão de “taffs”, tentava segurar desesperadamente o tempo que já ninguém sabia onde estava. O Marcial balbuciava uma hesitante vocalização na precaridade do flipanço: “Senhor não vai acreditar não, que eu aqui sento no chão não, que eu aqui tenho patrão não...”, nunca se percebendo se estava a favor do Senhor, do patrão ou do chão. A única certeza era “não”. O Paulo, carregado de optimismo, recomendava ao estimável público: “Apoia-te em mim amigo, agarra na corda bamba...”. O Xico Zé anunciava premonitoriamente “Lá vêm os Árabes”. O velho “Rapaz Extralúcido”, a três guitarras e duas flautas, foi tocado a uma velocidade que nos ultrapassava. O “Palhaço” era um verdadeiro manifesto. Uma raposódia semi-dita , semi-cantada, que acabava numa melopeia infantil repetitiva em aceleração explosiva. Tudo “um pé de cá, um pé de lá, um pé no meio do ar”.
Finalmente o momento alto! Silêncio total... Vestido a rigor, no seu traje árabe, entra o António Baraona, então casado com a Eunice Muñoz e convertido à religião do Profeta. Despeja, monocordicamente, em cima do público aparvalhado, quinze minutos de eloquente poesia retirada do seu último trabalho, “O Progresso de Jesus”, acompanhado a marimbas africanas que eu tocava no chão em posição de lotus, pelo Rodrigo e pelo Paulo, em pé, ambos na flauta. Quando o “mestre” disse por fim: “Não é a alma que está no corpo, o corpo é que está na alma”, a malta acordou em aplausos devastadores e o concerto acabou em extâse xamânico.
O êxito foi tal que fomos de imediato abordados para uma sessão privada no atelier de mestre Lagoa Henriques ali num daqueles barracões que dão para a Estrada Marginal, onde é hoje a Universidade Moderna.
Pé direito enorme… “Mezzanine” lá no alto… Tudo em cimento cru… Apolos esculpidos nos cantos recônditos… Mistura de “beatiful people” com estivadores… Camas com muita gente a descansar ao mesmo tempo…
Ninguém nos ouvia. Éramos apenas ambiente, decoração. Senti-me uma espécie de “Velvet Underground”, numa “Factory” provinciana, olhados diletantemente por “Andy Wharol’s” de trazer por casa. Deve ter sido o nosso melhor concerto… só que ninguém reparou!
20.11.08
FILHOS DO POVO DO SUL - XXXVII

A sala era muito tosca, minimalista, muito “avant-garde”. Uma cave que podia perfeitamente ter sido armazém de peixe congelado ou loja paquistanesa de electrodomésticos em contrabando. Seis ou sete filas de bancadas em cimento puro e duro... Palco a toda a largura da sala... “Foyer” com menos de vinte metros quadrados... Um pequeno bar permanentemente inacessível... Casas de banho manhosas com cheiro duradouro a erva e mijo residual.
Era tudo tão íntimo que o público suava em conjunto; engolia o fumo do cigarro vizinho; coçava a perna alheia; batia palmas com a mão do lado... mas era feliz!
Vista do palco, logo ali a dois metros, aquela massa informe e mal acondicionada, fazia-me agradecer a benção de estar em cena, com todo o espaço do mundo, dando-me imenso ânimo para tocar! Talvez por tudo isto os concertos no “1º Acto” sempre foram muito estimulantes para público e músicos.
Os concertos eram organizados directamente por nós. Alugávamos o espaço e tratávamos de tudo. Tínhamos, inclusivamente, de apresentar um requerimento dirigido, mui respeitosamente, ao Exmo. Director dos Serviços de Espectáculos pedindo autorização para a realização de “Espectáculos Acidentais” (sempre achei o nome particularmente adequado ao nosso caso). No requerimento “... fulano, residente algures, desejando realizar... (bailes, variedades, espectáculos teatrais, etc), num salão sito alhures, vem requerer a V. Exa., nos termos do artº 35, do Decreto 42.661, autorização para realização do referido espectáculo no(s) dia(s)...”.
O requerente devia ainda informar, entre outras coisas, o fim a que se destinava a receita líquida que fosse obtida (precaução essencial, diga-se de passagem, não fosse a malta pegar na massa toda e desatar a comprar LSD).
No final pedíamos deferimento e juntávamos um selo fiscal de 10 paus. Ah, tinha ainda uma nota final algo indecifrável: “ Quando o espectáculo se prolongue além das 12h e 30m (?!) deve ser solicitada a autorização do artº55 do mesmo Decreto”. Quem tiver o Decreto que me ajude. Esta nunca percebi: os espectáculos tinham de acabar ao meio-dia e meia do próprio dia, portanto antes de começarem ou podiam já vir do dia anterior, numa interminável sucessão de “encores”?!
19.11.08
EPHEDRA - O CONCERTO

EPHEDRA - O DISCO

Um dia o músico agarra numa guitarra e, ao acaso, começa a tirar acordes à toa. Logo vai surgindo uma melodia que se assobia hesitante. Uma melodia tímida que se insinua e vai ganhando forma. Agora é já a melodia a desafiar novos acordes. Puxando uma diminuta agora, obrigando a uma aumentada depois. Exigindo um tempo forte aqui, uma modulação ali. O compasso vai ficando apurado. Vem uma pausa para ressaltar uma tenção. Sobe o tom. Deixa cair o sustenido. Ressalta o bemol. De repente a música ganha vida própria. Somos meros intérpretes, espectadores da nossa criação. Um dia levam-se as pautas para o ensaio. A banda aguarda. A música é apresentada. Surgem novas contribuições. Alterações. Novas entradas. Contrapontos. O ritmo dá-lhe nova expressão. Surge uma dinâmica. A música encontra o seu caminho. Já ninguém a pode parar. Reescreve-se a pauta em hieróglifos cheios de semifusas. Ensaia-se à exaustão. Repetições infindáveis. Solos. Recomeços. Da capo a fine. Só a coda… Por fim está pronta. Dez músicas assim e podemos ir para estúdio. Aí entram os prodígios da tecnologia. A captação do som. O software de correcção. A mistura e a masterização. Tocamos sozinhos, isolados em paredes anecóicas que nos separam do mundo. Desafinamos. Repetimos. Agora foi o tempo que falhou. Depois o modo. O dia passa e ainda faltam 7 temas. A música é muito mais transpiração do que inspiração. Dois meses mais tarde saberemos o resultado final. Som, notas, efeitos, compassos, ritmos, solos, tudo se junta e, num passe de mágica, surge a gravação. Temos o almejado “master”. Daqui se farão as cópias. Em paralelo, mentes inventivas e criadoras esboçam, em conceitos arrojados, novos designs para a capa. A embalagem é essencial num disco físico. Ela identifica o objecto. Codifica o conteúdo. Integra a mensagem. Hoje em dia, para quem ainda compra discos, estes aspectos valem 50%. Os outros 50% serão a música.
Aqui acaba a criação. Outros “artistas” entram, então, em campo. O marketing, a promoção, a distribuição. O domínio desses circuitos é essencial para tirar uma obra do anonimato. Entram os advogados, os direitos de autor, as percentagens de distribuição, as comissões de venda… O criador é esmagado pela criatura! A música não só ganhou vida própria, como caminha agora pelos seus próprios meios. Ela existe e move-se nas frequências que o destino lhe traçou. Já nada podemos fazer por ela. Agora só ela pode fazer algo por nós. O autor fica sozinho com o seu génio e a Música pede-lhe: “Dá-me um novo acorde”.
18.11.08
17.11.08
E SE OBAMA FOSSE AFRICANO?
16.11.08
FILHOS DO POVO DO SUL - XXXV

O homem ficou desconsolado. Mais, ficou horrorizado: “É pá, cantar...?! Em português?! E não dá para esgalhar uns standards de jazz, só para encher?” A conversa azedou. Saímos a discutir a conceptualização do jazz; a piroseira dos standards; a caretice da “organização”; a possidonice do homem.
Mais uma vez falhámos... Mais uma vez estivemos ausentes... Mais uma vez a “História” passou ao lado. O tempo sempre esteve à nossa frente ou atrás de nós. Nunca nos caiu redondamente em cima.
Hoje podíamos ter o “curriculum” inscrito no programa do Festival. Podíamos ter apertado a mão suada a um qualquer saxofonista afro-americano. Podíamos ter fumado um charro com os “roadies” do Miles Davis e, acima de tudo, podíamos ter recebido a habitual pateada com que eram abençoados os grupos portugueses. Paciência!
A verdade é que era imperativo mudar. Era imperativo cantar. Até porque tínhamos grandes letristas na banda: o Luís, devastador na sua introspecção analítica; o Paulo, na sua sociologia perturbadora; o Xico Zé, na simplicidade hermética; o Marcial, nas entremalhas do sistema. E tínhamos também grandes cantores, o Paulo e o Xico Zé e, nos bastidores, "groupies" ansiosos, o Rodrigo e a Isabel, irmãos de voz rouca e afadistada.
Aliás, os “King Crimson”, os “Soft Machine” e os “Pink Floyd” também cantavam!
Começámos a cantar e nunca mais parámos. Ainda hoje cantamos. No fundo somos da geração dos “Beatles” e do Caetano Veloso. Sabemos que uma palavra vale mais do que uma nota e se a palavra acerta na nota, então temos mensagem.
E, assim, o “Ephedra” entrou na “fase popular” emprestando à revolução a consciência do charro. Até tínhamos hino:
“Erva do mato, erva do mato, erva do mato,/Mata minha dor.../Erva do mato, erva do mato, erva do mato,/Dá-me um novo amor.../Erva do mato verde aos molhos,/Por causa de ti choram os meus olhos”
Bonito, não é! Sempre é melhor do que: “... contra os canhões, marchar, marchar”!
BURROS EM EXTINÇÃO

A raça asinina de Miranda está em extinção. São os conhecidos burros lanudos, bem adaptados à região fria e rústica do nordeste transmontano. Há quem tome conta deles. Ajude. Adopte um burro. Consulte www.aepga.pt O seu donativo pode salvar burros.
14.11.08
O MEU ÍDOLO - A BACTÉRIA
Durante 2 biliões de anos as bactérias foram a única forma de vida. As primitivas cianobactérias aprenderam a viver à custa do único recurso disponível – o hidrogénio, que existe em abundância na água. Absorviam as moléculas de água, fixando o hidrogénio e libertando o oxigénio como desperdício. Inventaram, assim, a fotosíntese, a inovação mais importante na história da vida do planeta, permitindo o aparecimento de organismos complexos consumidores de oxigénio. Demorou tempo a oxigenar a atmosfera, cerca de 40% do total da história da Terra. Finalmente, surgiram novos tipos de células, células com um núcleo e com outras pequenas estruturas designadas “organelos”. Provavelmente uma bactéria foi capturada por outra e esse facto acabou por convir a ambas. Deste primeiro casamento biológico nasceram as eucariotas, um novo tipo de células que, utilizando oxigénio de forma a libertar energia a partir das substâncias alimentares, permitiram o aparecimento de seres ainda mais complexos e deram origem à vida como hoje a conhecemos.
As bactérias, depois de nos terem criado, mantiveram connosco uma estreita relação. Elas estão por todo o lado. Pelo menos, um trilião de bactérias pasta nas planícies do nosso corpo. Alimentam-se dos cerca de dez biliões de flocos de pele que libertamos todos os dias e das saborosas gorduras e revigorantes sais minerais que eliminamos pelos poros. Como agradecimento, oferecem-nos o odor corporal. Depois, há mais uns triliões enfiadas nas entranhas e vias nasais, agarradas ao cabelo, a escavar no esmalte dos dentes… Só no intestino temos mais de um trilião de 400 tipos diferentes. O corpo humano hospeda cerca de cem quatriliões de bactérias. Elas são uma grande parte de nós e nós uma pequena parte delas.
As bactérias processam os nossos desperdícios. Purificam a nossa água e mantêm os solos produtivos. Sintetizam as vitaminas nos nossos intestinos. Atacam os micróbios estranhos que nos tentam invadir. Mesmo depois de nós desaparecermos, as bactérias ficarão por cá. O planeta pertence-lhes e nós só estamos cá porque elas deixam. Elas sobreviveram biliões de anos sem nós. Nós não podemos sobreviver nem um dia sem elas.
13.11.08
FILHOS DO POVO DO SUL - XXXIV

Nós, desde Janeiro de 1974, tínhamos decidido largar a música exclusivamente instrumental e começado a cantar em português, antecipando as centenas de baladeiros, ditos “cantores de intervenção”, que de repente surgiram do nada. Todo o bicho careta com barba hirsuta e boininha preta achou que era um desígnio nacional desatar a desafinar letras sobre o povo unido e gaivotas que voam, que voam, com acordes de meia tigela aprendidos de véspera entre cerveja morna no bar da associação cultural lá da terrinha.
Foi uma terrível regressão para a música popular portuguesa. Ah, se tivéssemos podido influenciar o Zeca Afonso...!
Para definir bem o nosso estado de espírito, logo no primeiro concerto em que cantámos, no Outono de 74, ali no “1ºActo”, em Algés, atirámos-lhes com o “Palhaço” que recitava assim: “... O senhor doutor/formado e informado/de formato normalizado. /Distribuído em policópias/é mais barato. /Quatro diópterias na vista cansada da tomada de consciência e o coração inchado da vivência do panfleto. /Senhor doutor/que temos hoje, conferência/colóquio ou comício? /É importante um ópio qualquer/é urgente um vício!”.
12.11.08
FILHOS DO POVO DO SUL - XXXIII
O dia 25 de Abril de 1974 foi estranho. Não me lembro de quase nada. Levantei-me pelo meio-dia e soube que tinha havido golpe de Estado, ao som de “Grândola Vila Morena”. Estava de ressaca e ainda fiquei com mais dor de cabeça, sem conseguir atingir a profundidade da coisa, perdido entre aspirinas de ocasião.
Os meus pais estavam em Bruxelas, numa reunião da NATO, e eu estava lá por casa a tomar conta dos bens de família, enquanto a minha mulher de então já devia andar a curtir com outro.
Fui ouvindo notícias surrealistas de difícil compreensão àquela hora tão matinal: povo na rua; cravos nas espingardas; calças boca-de-sino penduradas no Largo do Carmo; tanques em cada esquina; ministros presos; PIDE’s em fuga; o Império a decair... Até que enfim alguém se lembrava de mudar o regime, o que sempre me pareceu coisa óbvia e simples de fazer. Não sei para que foi todo aquele alarido!
Fumei um charro para descontrair e esperei pelo noticiário da noite. Apareceram então uns generais a preto e branco com ar absolutamente sinistro que entraram de imediato no imaginário colectivo dos putos substituindo o desgastado “papão”: “Se não comes a sopa toda, chamo a Junta de Salvação Nacional”!
Depois seguiram-se as habituais “abriladas”, “belenzadas” e “vilafrancadas”... Os governos sucediam-se a uma velocidade difícil de acompanhar e ainda por cima eram sempre provisórios! Desisti de tentar perceber.
Naquele ano de 1974 tinha acabado o curso de direito. Escapei ao MRPP e safei-me da tropa. Passei directamente à reserva territorial, de onde, aliás, nunca tinha saído…
Em vez de começar logo a trabalhar como jurista, tirei umas férias sabáticas. Continuei a ser músico e no melhor estilo de gestor-hippy, dediquei-me ao negócio dos comes e bebes e ao artesanato primitivo-futurista, enquanto a revolução corria alegremente.
TERTÚLIA VIRTUAL - 15 DE NOVEMBRO
11.11.08
VIAGEM AO PASSADO - ÉRAMOS JOVENS
10.11.08
VIAGEM AO PASSADO - POR TERRAS DO GERÊS

Mais slides de 1975 recuperados. Algures na Serra do Gerês. Banhos nus em rios gelados e gado bravo por entre penhascos e caminhos perdidos, na natureza selvagem do Parque Nacional. O facto das fotos terem esta cor, deve-se exclusivamente à utilização de um filme de infra-vermelhos e não à ingestão de qualquer substância psico-activa.
AVENTURAS DE ARNALDO ROCHA - ERRO CRASSO

Publicação simultânea, em episódios, no Brasil (“Quem Conta um Conto”) e em Portugal (“Expresso da Linha”), todas as terças e sextas feiras.
Roma falhou por pouco o contacto directo com a China. O desastre de Crasso fechou-lhe a rota da seda.
O desastre de Crasso foi também o começo do fim do “triunvirato”… O Império adiado. De facto, Marco Licínio Crasso era o traço de união entre Cneu Pompeu Magno e Caio Júlio César. Na sequência da sua morte, nova guerra civil. César vence Pompeu em Farsália, em 48 a.C. e nesse mesmo ano os alexandrinos retiram a Magno o crânio em fuga, separando-o definitivamente dos ombros espadaúdos. Quatro anos depois César é assassinado em pleno Senado, nos idos de Março. Roma perdia o primeiro imperador. César nunca chegou a ser Augusto. Arnaldo falhara outra vez a missão.
No dia seguinte, Arnaldo Rocha recebe um mail. Convocação urgente à sede da “Organização”. O grão-mestre Hiram XIII lançou-lhe um olhar fulminante e disse-lhe friamente: “Temos de recomeçar tudo de novo, Arnaldo… Cometeste um erro crasso”.
FIM
ROSA CÔTA
9.11.08
FILHOS DO POVO DO SUL - XXXII

Fui eu, o Luís e o Chico Zé. Encontrámo-nos num café manhoso em Campo de Ourique onde tomámos uma bica de apresentação e seguimos para um estúdio-garagem algures na vizinhança. Apresentou-nos uma “maquette” ainda muito tosca com três ou quatro músicas.
Lembro-me vagamente que o Zeca era simpático, muito tímido e algo embrulhado a falar. Mas tinha boas ideias, especialmente a de querer tocar connosco.
Ficámos pelas ideias, que o homem pisgou-se para Paris ligeiramente empurrado pela PIDE. Queria levar o vibrafone, não sei se comigo também.
O disco acabou gravado no estrangeiro, orquestrado por um tal Fausto e chama-se “Venham Mais Cinco”, um dos álbuns mais emblemáticos do Zeca.
Ah, se tivéssemos sido nós a orquestrar... Ah, se tivéssemos sido nós a tocar! Nada seria como dantes, nem como depois. A música portuguesa teria tomado outros rumos. Os baladeiros não mais se atreveriam ao dó, fá, sol, em compasso quatrenário ... Quiçá o “25 de Abril” não teria sido como foi!
8.11.08
VIAGEM AO PASSADO - MINHO

Em 1975 andava eu por esse país fora, de norte a sul, em busca de peças de artesanato regional para vender na loja que acabara de abrir em Paço D'Arcos. Eram viagens por estradas inexistentes, ao volante duma carrinha que teimava em parar quando muito bem lhe apetecia. A política andava, então, assanhada entre os "comunas" e os de direita. Nada que me interessasse. Estava casado pela primeira vez. Era jovem e tudo parecia possível. Conheci muitas terras. Muitas gentes. Conheci um país rural, pobre e abandonado de pessoas hospitaleiras e simpáticas que comigo compartilhavam a refeição de batatas com couves. Na época tirava slides, numa Minolta entretanto desaparecida. Estou agora a recuperar esses slides. Deixo-vos uma amostra.
7.11.08
AVENTURAS DE ARNALDO ROCHA - ERRO CRASSO

Publicação simultânea, em episódios, no Brasil (“Quem Conta um Conto”) e em Portugal (“Expresso da Linha”), todas as terças e sextas feiras.
Enquanto Catão berrava no Senado contra os riscos da ditadura que se adivinhava, César, Crasso e Pompeu reuniram-se em Lucca, em Abril de 56 antes do tal Cristo, para renovarem o pacto. A República parecia tranquila e, no entanto, aproximava-se do fim. Pompeu faz-se marido de Júlia. César avança para a Gália. Crasso prepara uma grande expedição contra os Partos.
Efectivamente, o pacto garantia a Crasso o consulado em Roma e o proconsulado in Siria per un quinquennio con il compito di condurre guerra ai Parti. La spedizione, voluta per desiderio di emulare la gloria bellica dei due colleghi e di accrescere le proprie richezze. Per mancanza di preparatione e per inesperienza si risolse in una delle più gravi catastrofi della storia militare romana.
No ano 54 a.C., enquanto a Gália se revolta sob a chefia de Vercingetórix, Crasso mergulha com as suas legiões na Mesopotâmia. Crasso passa o Eufrates em pose descontraída. Em traje de piquenique. Julgava encontrar povos helenizados. Enganou-se!
Os cavaleiros inimigos não davam combate. Os Partos eram uma variedade de Citas com mistura de sangue mongólico. Os seus arcos disparavam “flechas cantantes”. Depois desapareciam. Os Partos usavam o arco compósito feito de cinco lâminas de chifre, como as molas de uma carruagem. Um arco curto, extremamente difícil de flectir. Dava à flecha uma trajectória recta, um notável alcance e um zunido impressionante. Era o arco de Ulisses, desaparecido do Mediterrâneo por falta de animais para fornecer chifres. Sobreviveu como “arco mongólico”.
Em 28 de Maio de 53, as legiões estavam exaustas. Desgastadas pela fome, calor e sede, sem conseguir ver o inimigo. Crasso, desesperado, decide enfiar por um desfiladeiro para abreviar o combate. Abreviou a vida a vinte mil legionários. Os Partos obstruíram os acessos e só pararam quando as flechas acabaram. Foi a batalha de Carras.
Crasso escapou milagrosamente. Quis negociar. Esqueceu-se que não estava em Roma. Foi aprisionado e despejaram-lhe ouro fundido pela garganta abaixo como recompensa da sua carreira de usurário.