O FOGO DE ALÁ
“Todos vós sois irmãos”, dizia Jesus.
“Os crentes são irmãos”, dizia Maomé. Os outros… sim, em princípio… mas consoante… Consoante, por exemplo, convenha abrir um caminho através da Síria e da Palestina. Consoante quem sejam os vencidos da guerra santa: os pagãos não terão outra escolha senão entre a conversão e a morte; a “gente da Escritura”, judeus ou cristãos, viverão submetidos, mas na sua fé. A não ser que sejam iluminados pela Graça de Alá e o poder da sua glória… E esta “nuance” tem imensas implicações fiscais!
Até onde irá a bravura e até onde a moderação? Começa a cavalgada.
Maomé morre a 8 de Junho de 632 (data oficial) deixando um único descendente: a filha Fátima, casada com o seu sobrinho Ali. Maomé morre sem regular a sucessão, à qual se apresentavam também os seus sogros e companheiros, Abu Bekr e Omar.
A expansão começa de imediato, avassaladora, estonteante: em 636, a Síria era conquistada, em 637 o Iraque; em 642 o Egipto e a Pérsia; em 654, a Arménia; Chipre, em 649; Rodes em 654… Entretanto, penetram na Índia; ameaçam o império Chinês, ao mesmo tempo que põem em perigo a própria Constantinopla.
Em 24 anos, O Islão estendeu-se sobre dois terços do Império Bizantino e sobre a totalidade do Império Persa!
Segue-se um período de turbulência e de luta pelo poder, de que falaremos a seguir. Mas, a partir de 693, o Islão dá o segundo salto em frente.
Em 698 avançam no Magrebe até Marrocos. Em 711 estão em Espanha. Chamados por um príncipe visigótico, amuado por ter sido frustado quanto ao trono de Toledo, doze mil berberes, comandados por Tarik, numa só batalha vencem o reino visigótico. A leste, chegam a Samarcanda (no actual Afeganistão); em 712 o Vale do Indo é conquistado e Constantinopla novamente cercada. Na Europa, só não avançam mais porque são derrotados por Carlos Martel, em 732 (Poitiers); na Ásia, os chineses impedem a progressão e, finalmente, Bizâncio consegue romper o cerco (739).
Entretanto, a luta pela sucessão de Maomé provocava as suas vítimas e divisões no mundo islâmico, que ainda hoje perduram.
Abu Bekr, sogro e companheiro de Maomé, sucedeu-lhe, mas morreu dois anos depois. Omar, o outro velho companheiro, tornou-se Califa. Ali, o genro, casado com Fátima, erguia-se agora contra Omar.
Omar é assassinado em 644, mas ainda não é a hora de Ali: Otham, apoiado pelos ricos negociantes de Meca, é elevado ao califado. Otham é assassinado em 656 e eis Ali, por fim, califa, mas por pouco tempo.
Os mercadores coraixitas e sírios incentivaram a revolta apoiando um sobrinho de Otham, Moawiya, governador da Síria. Ali, algo ingenuamente, aceitou uma arbitragem sobre a sucessão. Os árbitros, cúmplices, proclamaram Moawiya califa e Ali foi destituído.
Só lhe restava o protesto. Daí nasceram duas seitas. Uma, os importantes e ricos, agrupados em volta da dinastia fundada por Maowiya, os Omíadas, que se afirmaram defensores da ortodoxia e se encarregaram de interpretar, para além do Alcorão, os feitos e os gestos do Profeta edificando o seu “costume”, a sua “sunna”: os Sunitas. Contra eles, os fiéis de Ali e da família do Profeta: os Chiitas (“legitimistas”). Enfim, uma terceira seita aparecia, a dos puritanos, que defendia a sucessão do Profeta pelo consentimento do povo: Os Kharidjitas, que mostrarão toda a sua violência nos levantamentos nacionais do Norte de África.
O Islão reparte-se: o Egipto e a Síria apoiando os Omíadas; a Pérsia e o Iraque apoiando Ali e tudo abalado pelas revoltas Kharidjitas.
Os Omíadas mudaram a capital para Damasco e Meca junta-se a Medina na oposição. Em 661, Ali foi assassinado por um Kharidjita.
Moawiya sobreviveu-lhe até 680, entrando-se depois num período de grande confusão. Só em 693 os califas de Damasco refazem a unidade árabe e inicia-se uma nova fase de expansão territorial, já atrás referida. Mas, por pouco tempo…
Os partidários de Ali recomeçam a luta, assassinando vários califas Omíadas; os Kharidjitas espalham a anarquia no Magrebe pregando a igualdade, principalmente fiscal, entre árabes e bárbaros. Em 740, estala a revolta em Tânger; a Espanha fica com as comunicações cortadas com a base. A flor da nobreza árabe, entretanto enviada contra os sediciosos, foi ceifada em Cheliff no “combate dos nobres”.
O prestígio Omíada sofria com tudo isto e eles não souberam restabelecê-lo, perdidos em prazeres terrenos.
Damasco acaba tomada por um bisneto de um outro sogro do Profeta (Al-Abbas), deixando para trás as pretensões dos fiéis de Ali. A dinastia Omíada cai. Surge a dinastia Abássida, que transfere a capital para Bagdade (762).
Na matança que se seguiu à tomada de poder, um príncipe Omíada fugiu para Espanha – Abd Er-Rahman – onde irá proclamar a independência do país, fundando o Reino de Córdova (755), que se tornará califado autónomo de Bagdad com Abd Er-Rahman III, em 929, e que irá durar até à reconquista pelos Reis Católicos, em 1492, da sua nova sede, Granada.
No meio de todas estas querelas, os turcos ocidentais (Seljúcidas), submetidos ao protectorado chinês, iam-se islamizando, em especial pela proximidade com o Irão e ansiavam libertar-se da tutela chinesa…
Estes pequenos reinos turcos foram passando da órbita chinesa para a muçulmana. Um dia, o cruzamento turco-muçulmano dará os rebentos mais ferozes que jamais avassalaram as civilizações.
Depois de Espanha, também Marrocos se desprende. Em Meca um descendente de Ali, Mulay Idriss, tendo participado numa revolta falhada contra os Abássidas, escapa à chacina que se seguiu e foge para Marrocos, onde se proclama emir independente em 788. Finalmente, a raça do Profeta encontrou o seu trono!
Pouco depois, em 800, Carlos Magno é coroado imperador e embora os muçulmanos de África e Espanha, ainda por mais de uma vez, façam tremer o Ocidente em golpes desordenados, é no Oriente que se situa o poderio do Islão.
Em Bagdade, a turbulência e a intolerância, o proselitismo e a ganância, reinavam alternadamente. Em 842, para garantir protecção contra os seus próprios súbditos, o califa recorreu pela primeira vez, a uma guarda turca.
As desordens sistemáticas tornar-se-ão cada vez mais frequentes e a presença dos mercenários turcos cada vez mais necessária, até ao fatal instante em que, tal como os Germanos em Roma, virão as hordas de novos senhores.
Os califas abássidas de Bagdade entram em declínio no momento em que o tratado de Verdun (843) consagra o império de Carlos Magno. Declínio político mas que, paradoxalmente, vai ser acompanhado pela mais bela floração da civilização muçulmana.
“Todos vós sois irmãos”, dizia Jesus.
“Os crentes são irmãos”, dizia Maomé. Os outros… sim, em princípio… mas consoante… Consoante, por exemplo, convenha abrir um caminho através da Síria e da Palestina. Consoante quem sejam os vencidos da guerra santa: os pagãos não terão outra escolha senão entre a conversão e a morte; a “gente da Escritura”, judeus ou cristãos, viverão submetidos, mas na sua fé. A não ser que sejam iluminados pela Graça de Alá e o poder da sua glória… E esta “nuance” tem imensas implicações fiscais!
Até onde irá a bravura e até onde a moderação? Começa a cavalgada.
Maomé morre a 8 de Junho de 632 (data oficial) deixando um único descendente: a filha Fátima, casada com o seu sobrinho Ali. Maomé morre sem regular a sucessão, à qual se apresentavam também os seus sogros e companheiros, Abu Bekr e Omar.
A expansão começa de imediato, avassaladora, estonteante: em 636, a Síria era conquistada, em 637 o Iraque; em 642 o Egipto e a Pérsia; em 654, a Arménia; Chipre, em 649; Rodes em 654… Entretanto, penetram na Índia; ameaçam o império Chinês, ao mesmo tempo que põem em perigo a própria Constantinopla.
Em 24 anos, O Islão estendeu-se sobre dois terços do Império Bizantino e sobre a totalidade do Império Persa!
Segue-se um período de turbulência e de luta pelo poder, de que falaremos a seguir. Mas, a partir de 693, o Islão dá o segundo salto em frente.
Em 698 avançam no Magrebe até Marrocos. Em 711 estão em Espanha. Chamados por um príncipe visigótico, amuado por ter sido frustado quanto ao trono de Toledo, doze mil berberes, comandados por Tarik, numa só batalha vencem o reino visigótico. A leste, chegam a Samarcanda (no actual Afeganistão); em 712 o Vale do Indo é conquistado e Constantinopla novamente cercada. Na Europa, só não avançam mais porque são derrotados por Carlos Martel, em 732 (Poitiers); na Ásia, os chineses impedem a progressão e, finalmente, Bizâncio consegue romper o cerco (739).
Entretanto, a luta pela sucessão de Maomé provocava as suas vítimas e divisões no mundo islâmico, que ainda hoje perduram.
Abu Bekr, sogro e companheiro de Maomé, sucedeu-lhe, mas morreu dois anos depois. Omar, o outro velho companheiro, tornou-se Califa. Ali, o genro, casado com Fátima, erguia-se agora contra Omar.
Omar é assassinado em 644, mas ainda não é a hora de Ali: Otham, apoiado pelos ricos negociantes de Meca, é elevado ao califado. Otham é assassinado em 656 e eis Ali, por fim, califa, mas por pouco tempo.
Os mercadores coraixitas e sírios incentivaram a revolta apoiando um sobrinho de Otham, Moawiya, governador da Síria. Ali, algo ingenuamente, aceitou uma arbitragem sobre a sucessão. Os árbitros, cúmplices, proclamaram Moawiya califa e Ali foi destituído.
Só lhe restava o protesto. Daí nasceram duas seitas. Uma, os importantes e ricos, agrupados em volta da dinastia fundada por Maowiya, os Omíadas, que se afirmaram defensores da ortodoxia e se encarregaram de interpretar, para além do Alcorão, os feitos e os gestos do Profeta edificando o seu “costume”, a sua “sunna”: os Sunitas. Contra eles, os fiéis de Ali e da família do Profeta: os Chiitas (“legitimistas”). Enfim, uma terceira seita aparecia, a dos puritanos, que defendia a sucessão do Profeta pelo consentimento do povo: Os Kharidjitas, que mostrarão toda a sua violência nos levantamentos nacionais do Norte de África.
O Islão reparte-se: o Egipto e a Síria apoiando os Omíadas; a Pérsia e o Iraque apoiando Ali e tudo abalado pelas revoltas Kharidjitas.
Os Omíadas mudaram a capital para Damasco e Meca junta-se a Medina na oposição. Em 661, Ali foi assassinado por um Kharidjita.
Moawiya sobreviveu-lhe até 680, entrando-se depois num período de grande confusão. Só em 693 os califas de Damasco refazem a unidade árabe e inicia-se uma nova fase de expansão territorial, já atrás referida. Mas, por pouco tempo…
Os partidários de Ali recomeçam a luta, assassinando vários califas Omíadas; os Kharidjitas espalham a anarquia no Magrebe pregando a igualdade, principalmente fiscal, entre árabes e bárbaros. Em 740, estala a revolta em Tânger; a Espanha fica com as comunicações cortadas com a base. A flor da nobreza árabe, entretanto enviada contra os sediciosos, foi ceifada em Cheliff no “combate dos nobres”.
O prestígio Omíada sofria com tudo isto e eles não souberam restabelecê-lo, perdidos em prazeres terrenos.
Damasco acaba tomada por um bisneto de um outro sogro do Profeta (Al-Abbas), deixando para trás as pretensões dos fiéis de Ali. A dinastia Omíada cai. Surge a dinastia Abássida, que transfere a capital para Bagdade (762).
Na matança que se seguiu à tomada de poder, um príncipe Omíada fugiu para Espanha – Abd Er-Rahman – onde irá proclamar a independência do país, fundando o Reino de Córdova (755), que se tornará califado autónomo de Bagdad com Abd Er-Rahman III, em 929, e que irá durar até à reconquista pelos Reis Católicos, em 1492, da sua nova sede, Granada.
No meio de todas estas querelas, os turcos ocidentais (Seljúcidas), submetidos ao protectorado chinês, iam-se islamizando, em especial pela proximidade com o Irão e ansiavam libertar-se da tutela chinesa…
Estes pequenos reinos turcos foram passando da órbita chinesa para a muçulmana. Um dia, o cruzamento turco-muçulmano dará os rebentos mais ferozes que jamais avassalaram as civilizações.
Depois de Espanha, também Marrocos se desprende. Em Meca um descendente de Ali, Mulay Idriss, tendo participado numa revolta falhada contra os Abássidas, escapa à chacina que se seguiu e foge para Marrocos, onde se proclama emir independente em 788. Finalmente, a raça do Profeta encontrou o seu trono!
Pouco depois, em 800, Carlos Magno é coroado imperador e embora os muçulmanos de África e Espanha, ainda por mais de uma vez, façam tremer o Ocidente em golpes desordenados, é no Oriente que se situa o poderio do Islão.
Em Bagdade, a turbulência e a intolerância, o proselitismo e a ganância, reinavam alternadamente. Em 842, para garantir protecção contra os seus próprios súbditos, o califa recorreu pela primeira vez, a uma guarda turca.
As desordens sistemáticas tornar-se-ão cada vez mais frequentes e a presença dos mercenários turcos cada vez mais necessária, até ao fatal instante em que, tal como os Germanos em Roma, virão as hordas de novos senhores.
Os califas abássidas de Bagdade entram em declínio no momento em que o tratado de Verdun (843) consagra o império de Carlos Magno. Declínio político mas que, paradoxalmente, vai ser acompanhado pela mais bela floração da civilização muçulmana.
jp
3 comments:
quanta história! e que paciência tens para contá-la. o que é triste é que essa história de morte e de guerra não termina NUNCA, ninguém aprende com seus erros, é alguma maldição...
Já se sabe : Entre os irmãos reina a paz e a concórdia. O pior é entre cunhados...
Alice: não é paciência, é prazer em contar e aprender contando.
Al: quando entra o poder desaparece a concórdia!
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