21.11.09

CARETOS III

As celebrações Solsticiais ocorrem a partir de 24 de Dezembro. O problema da desertificação demográfica em todo o Trás-os-Montes, não impede que muitos jovens regressem às aldeias neste período de Natal e Ano Novo. Muitos deles são jovens bem integrados e com sucesso na sociedade moderna que aderem a práticas ancestrais.

À frente desta festividade cíclica estão dois Mordomos, eleitos no ano anterior. Os preparativos começam em Agosto com a contratação do gaiteiro e a reserva do vitelo. A festa começa a 24 de Dezembro, coma imolação do vitelo que servirá para as refeições dos "confrades". A "casa da festa" é exclusivamente frequentada pelos rapazes solteiros da confraria e dois cozinheiros (únicos casados admitidos). Ninguém mais lá pode entrar. Fica um ar de secretismo sobre o que lá se passa. Há praxes nunca divulgadas. A noite de 24 é passada com o ensaio das "loas" (quadras de maldizer, sobre acontecimentos ou pessoas da aldeia). A seguir vão comer. Naqueles três dias de festividades, comem e bebem muito, demais.
Na alvorada de 25, os rapazes assistem à missa ainda sem máscaras. Logo a seguir, saem a correr e vestem os seus fatos de Caretos. A partir daí é o caos. Correm, gritam, berram, agitam os chocalhos, fazem diabruras a toda a gente, têm uma liberdade ilimitada. Um estado quase a raiar a loucura. Começa o cantar das "loas", um conjunto de quadras que exorciza, com o seu maldizer, os rumores da aldeia, trazendo para a luz do dia aquilo que vive na obscuridade. Ninguém os pode levar a mal. De seguida vão de casa em casa, continuando as suas travessuras. São recebidos com bolos e Vinho do Porto. Todos gostam de ouvir os Caretos bater à sua porta. Eles representam a energia do Ano Novo que se quer fértil e abundante.
Para a mentalidade arcaico-solar, o guerreiro é símbolo da energia espiritual que cosmiza o caos, ou seja, aquele que se supera a si próprio, que enfrenta com êxito os estados-limite. Por isso, Marte, deus da guerra, era também uma divindade protectora e agrícola.
À noite realiza-se o jantar na "casa da festa" só com a presença dos membros da confraria e dos cozinheiros. Independentemente do estado alcoólico em que fiquem, no dia seguinte, mal a gaita toque, todos têm de estar presentes. É a ideia de ser posto à prova, uma constante nas Festas de Rapazes.
Dia 26, é o dia dedicado a Santo Estevão (o primeiro mártir do cristianismo e padroeiro dos Rapazes). Há missa solene. Ao almoço elegem-se os Mordomos do ano seguinte. De seguida, os rapazes vão pedir autorização aos pais das raparigas para elas participarem no jantar da noite que se realiza em mesas separadas. A Festa encerra com um baile. Depois de separados por três dias, os princípios masculino e feminino, simbolizados pelos rapazes e pelas raparigas, voltam a unir-se. Ultimamente, em Trás-os-Montes, tem crescido o número de Festas de Raparigas. É provável que elas existissem em tempos pré-cristâos, baseadas nos mistérios de Artémis e nos seus ritos de passagem, e que depois não resistiram ao advento da cultura judaico-cristã...
Bibliografia: "A Alma Secreta de Portugal", de Paulo Alexandre Loução.

5 comments:

Helena Oneto said...

Muito interessante ! Tenho aprendido muito da História -e com as histórias- que aqui leio.
Obrigada.
Mais um livro a publicar.

conduarte said...

"CARETOS III"
Muito legal manterem uma tradição, não é?
Bonito ver os rapazes se guardarem, fazerem segredos, beberem, e depois, na hora séria, estarem apostos!! Assim tudo continuará para o ano que vem. Apesar de tudo, ou em tudo, tem sempre uma dose de responsabilidade e ordem...
Muito legal saber das origens da terra de minha avó, que contada por você com tanta facilidade e beleza me encanta.
Um beijo grande querido!
CON

Lília Abreu said...

Caretos... que bom lembrar essa tradição. Não a sabia nos pormenores. Obrigada pela partilha!

EXPRESSO said...

VAMOS TER MAIS UM EPISÓDIO PARA "REMATAR" OS CARETOS.

Maria Augusta said...

Muito interessantes estes ritos ancestrais qua ainda são mantidos nesta região.