As celebrações Solsticiais ocorrem a partir de 24 de Dezembro. O problema da desertificação demográfica em todo o Trás-os-Montes, não impede que muitos jovens regressem às aldeias neste período de Natal e Ano Novo. Muitos deles são jovens bem integrados e com sucesso na sociedade moderna que aderem a práticas ancestrais.
À frente desta festividade cíclica estão dois Mordomos, eleitos no ano anterior. Os preparativos começam em Agosto com a contratação do gaiteiro e a reserva do vitelo. A festa começa a 24 de Dezembro, coma imolação do vitelo que servirá para as refeições dos "confrades". A "casa da festa" é exclusivamente frequentada pelos rapazes solteiros da confraria e dois cozinheiros (únicos casados admitidos). Ninguém mais lá pode entrar. Fica um ar de secretismo sobre o que lá se passa. Há praxes nunca divulgadas. A noite de 24 é passada com o ensaio das "loas" (quadras de maldizer, sobre acontecimentos ou pessoas da aldeia). A seguir vão comer. Naqueles três dias de festividades, comem e bebem muito, demais.
Na alvorada de 25, os rapazes assistem à missa ainda sem máscaras. Logo a seguir, saem a correr e vestem os seus fatos de Caretos. A partir daí é o caos. Correm, gritam, berram, agitam os chocalhos, fazem diabruras a toda a gente, têm uma liberdade ilimitada. Um estado quase a raiar a loucura. Começa o cantar das "loas", um conjunto de quadras que exorciza, com o seu maldizer, os rumores da aldeia, trazendo para a luz do dia aquilo que vive na obscuridade. Ninguém os pode levar a mal. De seguida vão de casa em casa, continuando as suas travessuras. São recebidos com bolos e Vinho do Porto. Todos gostam de ouvir os Caretos bater à sua porta. Eles representam a energia do Ano Novo que se quer fértil e abundante.
Para a mentalidade arcaico-solar, o guerreiro é símbolo da energia espiritual que cosmiza o caos, ou seja, aquele que se supera a si próprio, que enfrenta com êxito os estados-limite. Por isso, Marte, deus da guerra, era também uma divindade protectora e agrícola.
À noite realiza-se o jantar na "casa da festa" só com a presença dos membros da confraria e dos cozinheiros. Independentemente do estado alcoólico em que fiquem, no dia seguinte, mal a gaita toque, todos têm de estar presentes. É a ideia de ser posto à prova, uma constante nas Festas de Rapazes.
Dia 26, é o dia dedicado a Santo Estevão (o primeiro mártir do cristianismo e padroeiro dos Rapazes). Há missa solene. Ao almoço elegem-se os Mordomos do ano seguinte. De seguida, os rapazes vão pedir autorização aos pais das raparigas para elas participarem no jantar da noite que se realiza em mesas separadas. A Festa encerra com um baile. Depois de separados por três dias, os princípios masculino e feminino, simbolizados pelos rapazes e pelas raparigas, voltam a unir-se. Ultimamente, em Trás-os-Montes, tem crescido o número de Festas de Raparigas. É provável que elas existissem em tempos pré-cristâos, baseadas nos mistérios de Artémis e nos seus ritos de passagem, e que depois não resistiram ao advento da cultura judaico-cristã...
Bibliografia: "A Alma Secreta de Portugal", de Paulo Alexandre Loução.
5 comments:
Muito interessante ! Tenho aprendido muito da História -e com as histórias- que aqui leio.
Obrigada.
Mais um livro a publicar.
"CARETOS III"
Muito legal manterem uma tradição, não é?
Bonito ver os rapazes se guardarem, fazerem segredos, beberem, e depois, na hora séria, estarem apostos!! Assim tudo continuará para o ano que vem. Apesar de tudo, ou em tudo, tem sempre uma dose de responsabilidade e ordem...
Muito legal saber das origens da terra de minha avó, que contada por você com tanta facilidade e beleza me encanta.
Um beijo grande querido!
CON
Caretos... que bom lembrar essa tradição. Não a sabia nos pormenores. Obrigada pela partilha!
VAMOS TER MAIS UM EPISÓDIO PARA "REMATAR" OS CARETOS.
Muito interessantes estes ritos ancestrais qua ainda são mantidos nesta região.
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