24.4.11

25 DE ABRIL - MEDITAÇÃO

1 - O mundo mudou muito nestes 37 anos. 1974 é uma data mítica. Uma data que recordaremos como a fonte da liberdade. E foi obra. Derrubar um regime semi-ditatorial, velho de 40 anos. Foi obra. Sem tiros. Sem mortos. O regime caiu num dia. Espantoso. Nem sequer discuto se era melhor ou pior. Basta ver a saúde, a educação, as estradas… Mas há um indicador indiscutível: a democracia e a liberdade. Aliás, é impossível discutir indicadores entre um regime democrático e um regime ditatorial (se quiserem, de um único partido). É uma discussão vã, patética e saudosista. Mais, é irrelevante. A questão é o que fizemos nós da democracia. O que fizemos nós da liberdade.

2 – O mundo mudou muito. E nós mudámos com ele. Mudámos à nossa peculiar maneira. Tínhamos referências internacionais. As melhores práticas políticas e sociais. Uma Europa desejosa de nos integrar. Um mundo aberto para nos receber. Tínhamos tudo isso e, no entanto, algures a meio do caminho, perdemos o rumo. Quisemos passar de pobrezinhos, a novos-ricos. Tudo em 30 anos. Interiorizámos um passado hipócrita de riquezas roubadas. Invocámos uma missão “lusitana” que nos garantiria crédito histórico inesgotável. Os mundos novos que demos ao Mundo. Uma cristandade feita de massacres. Um devir glorioso feito de guerras santas. Um mercado de escravos sem sindicato, nem subsídio de Natal. Pensámos que havia uma reserva divina para aturar indefinidamente os nossos desmandos. Uma tolerância, “porque sim”. Imaginámos uma bancarrota deslizante. Dinheiro a rodos a cair do céu. E nós sentados à direita de deus pai… A verdade é que não pensámos em nada, não imaginámos nada, não previmos coisa alguma. Nada planeámos. Ficámos apenas deslumbrados. Boquiabertos. Pacóvios. Imbecis. A liberdade. As eleições. Os debates. Os comentadores. Os carros de cilindrada avançada. As férias no “Cu de Judas”. Os restaurantes “gourmet”… A vida passou a ser uma facilidade feita de cartões de crédito. Uma felicidade feita de crédito em cartões. E agora Portugal?

3 – A revolução social foi feita. Faltou fazer a revolução económica e financeira. E se não a fizermos muito rapidamente, corremos o risco de ficar sem o Estado Social. As conquistas do “25 de Abril” por cumprir. Corremos o risco de ficar sem nada. De ser os mendigos da Europa. Não basta votar. Não chega ter liberdade. Convém viver. E viver o melhor possível. Criar riqueza. Não podemos passar o ano a jantar fora e a torrar ao Sol. Esquecemos que o mundo mudou. Mudou muito. Hoje os Estados Unidos estão aflitos. Fabricam moeda para resistir aos chineses, esquecendo que estes absorvem a moeda e compram a dívida a preço da chuva. A União Europeia está sem rumo. Entregue a uma “clique” de burocratas ligados a “lap-tops” que há muito perderam o contacto com a vida. Uma União feita do calculismo de países que procuram afundar-se uns aos outros. Não aderimos ao Euro. Aderimos ao Marco alemão. Mas, um dia destes, os alemães vão acordar bem pior do que nós (são mais e mais exigentes). O mundo mudou muito. E, ou mudamos com ele, ou a liberdade e a democracia serão mitos que iremos incinerar no altar das oferendas, nos feriados crepusculares do regime apodrecido. 25 de Abril, sempre?

"Mapa Mundi", pintura de Jorge Pinheiro, 2011 (90 cm x 60cm)

17 comments:

Li Ferreira Nhan said...

Texto como sempre irretocável!
A pintura?
Surpreendente! Adorei!

Mena G said...

Hoje vou festejar mais um aniversário: o do meu filho.
Enfim... erros de mãe!
:)
Um texto muito lúcido, infelizmente...

daga said...

excelente análise, prosa cativante :))
não conseguimos realmente (ainda) viver a democracia, usar a liberdade de forma racional...
beijo

daga said...

esoera! esqueci-me do quadro :p mas que maravilha é esta agora? desconhecia essa tua faceta!! parabéns representa bem a mudança do mundo, é lindo :)
beijo

Anonymous said...

A boa notícia: que continuas PINTANDO!

João Menéres said...

Uma análise LÚCIDA !

A tela ?
- Representa o caldeirão onde nos metemos.

Parabéns em duplo, JORGE !

Anonymous said...

semi-ditatorial? é?

o que se (des)aprende por esta net fora é uma grandeza !!!!!!!!!!

para usar mais brandura ... é uma semi-(des)aprendizagem ... sim, pois nem tudo é assimilável ...

Jorge Pinheiro said...

Não se des-aprende. São opiniões e análises. Vantagem da democracia que nos deixa expressar. E só lê quem quer... Mas esse era o ponto menos interessante.Uma mera constatação do regime marcelista, que já nem era carne, nem peixe. Pena que seja esse o único a que o anónimo se agarrou. Elucidativo!

Anonymous said...

Pena também que se tenha agarrado aos estertores do tal regime que diz ter sido semi-ditatorial. Tem razão, são visões e análises e cada um tem as suas. Depende do ângulo e do lugar do observador. Geralmente os que estão muito próximos do ponto a ser visto e analisado não lhe vêem defeitos nem o desalinho das vigas. Às vezes até nelas se apoiam e encostam. Peço-lhe mil perdões se me agarrei, apenas e tão somente, a um ponto, para si, o menos importante. Para mim é, ou foi, o mais importante. E foi tão berrante o seu "semi" ... muito mais do que as cores da sua pintura, que de tão abstrata pouco me disse. Mas, sempre é bom vermos cores. Muito melhor o vermelho de um cravo do que o negro-triste de uma ditadura, que de "semi" só o foi na sua profunda análise.

Bom dia 25 de abril, 37 anos depois ...

Jorge Pinheiro said...

Não era para aí que queria levar esta análise. Mas aceito que o semi possa chocar. E aceito qq opinião contrária. Há saudosistas por todo o lado. Até há tontos que ainda sonham com o "28 de Maio". A mim interessa-me o post-25 de Abril e o momento presente. O resto são símbolos. Importante, esseciais, mas símbolos. Percebo que atingi um "abrilismo primário". Não era essa a intenção. Tenho muito receio do que aí vem. E receio que, infelizmente, se possa voltar a trás. Farei tudo para que isso não aconteça, dentro das minhas limitadas possibilidades. Estou convencido que estamos do mesmo lado da barricada e berramos com o mesmo vigor. Temos, seguramente, outro modelo de raciocínio e outra forma de actuar. Mas queremos o mesmo: uma solução sustentável para Portugal e mais equalitária. Ainda bem que gostou do quadro. Pessoalmente, não gosto muito.

peri s.c. said...

Brilhante texto .

Não é que o mundo mudou, numa ordem natural e evolutiva para melhor.

Estão é mudando o mundo.
Nunca tão poucos ( praticamente anônimos )tiveram sem discursos, eleições ou golpes, tanto poder praticado sorrateiramente num apertar de teclados e ordens gritadas por linhas telefônicas .

Jorge Pinheiro said...

Mauro: inteiramente de acordo. Quase que apetece dizer: precisamos de um novo 25 de Abril...

Jorge Pinheiro said...

Li: obrigado. A pintura ainda está on going. Vamos ver com acaba.

Jorge Pinheiro said...

Mena: parabéns aí por casa. Beijos.

Jorge Pinheiro said...

Graça: pois é, tenho talentos escondidos. Temos todos, felizmente.

Jorge Pinheiro said...

Eduardo: continuao, mas com alguma dificuldade. Vamos ver se arranco agora com o calor.

Jorge Pinheiro said...

Joâo: uma caldeirada :)